Mecanismo de Ação dos Instrumentos Rotatórios em Níquel-Titânio
Discussão

Danilo M. Zanello Guerisoli
C.D., Especialista em Endodontia, Pós-graduando em Endodontia pela Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
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Prof. Dr. Manoel D. Sousa Neto
Professor Titular de Endodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP.
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Prof. Dr. Jesus Djalma Pécora
Professor Titular de Endodontia da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
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Índice

Introdução
Instrumentos manuais em aço
Instrumentos rotatórios em aço
Instrumentos mecânicos em aço
Instrumentos sônicos e ultra-sônicos
As ligas de níquel-titânio
Instrumentos manuais em nitinol
Instrumentos rotatórios em nitinol

Características dos instrumentos
Sistema Lightspeed
Sistema Quantec
Sistema ProFile

Padrão de desgaste

Técnicas de instrumentação
Sistema Lightspeed
Sistema Quantec
Sistema ProFile

Discussão

Conclusão

Resumo

Summary

Referências Bibliográficas

Discussão

O surgimento das ligas de níquel-titânio e sua aplicação na Endodontia provocaram profundas mudanças nos conceitos de preparo biomecânico do canal radicular. As características de superelasticidade e efeito memória do nitinol, diferentes do aço inoxidável, foram aproveitadas no desenho destes novos instrumentos de modo a obter o máximo de flexibilidade com o mínimo de transporte do canal.
Os instrumentos rotatórios em aço, antes apenas coadjuvantes no preparo dos condutos radiculares, sofreram uma transformação com o advento do nitinol. As características mecânicas desta liga tornam possível a rotação da lima em canais curvos atingindo o comprimento de trabalho, preparando o canal para a obturação.
Os conhecimentos de física, engenharia e metalurgia somados estão sendo constantemente aplicados na criação de novos instrumentos, com maior capacidade de corte e menor produção de aberrações no formato do canal.
Toda nova tecnologia, porém, passa por um processo de adequação e racionalização de seu uso. Na década de 80, o ultra-som foi usado exaustivamente nas mais diversas aplicações, muitas vezes de forma incorreta. Após muitos insucessos e acidentes seu uso foi racionalizado e, atualmente, apresenta-se como um poderoso auxiliar do cirurgião-dentista, porém de uso limitado e com indicação precisa.
A literatura consultada sinaliza que os instrumentos rotatórios em níquel-titânio estão passando por um processo semelhante, onde é necessário a realização de pesquisas para elucidar a melhor maneira de se utilizar tais instrumentos.
Os casos onde serão usados instrumentos rotatórios devem ser cuidadosamente avaliados, para evitar-se uma indicação incorreta. Canais excessivamente amplos (como incisivos centrais, laterais e caninos jovens) não devem ser candidatos a uma instrumentação com limas rotatórias, pois estas serão inefetivas mesmo em conicidades maiores.
Atualmente, os fabricantes indicam os instrumentos rotatórios em níquel-titânio para todas as etapas da escultura do canal. Porém, no caso clínico apresentado, a escultura inicial do canal foi feita com limas manuais para evitar o risco de fratura do instrumento rotatório, como atestam ROYG-CAYÓN et al. (1997) e ESTRELA & FIGUEIREDO (1999). De fato, estes instrumentos não foram desenhados para explorar o canal e sim para ampliar e dar forma. Foi observada também a necessidade de alargamento da região cervical, eliminando a constricção nesta região para minimizar o stress sofrido pelas limas.
Na pesquisa aqui realizada com canais simulados, observou-se que as limas com ponta romba NT Sensor / McXim ficam mais centradas no interior do canal simulado, desgastando as paredes de maneira mais uniforme, enquanto as limas com ponta cortante (Quantec series 2.000) desgastam mais a parede externa da curvatura. Este método de avaliação do padrão de desgaste dos instrumentos é de extrema valia, visto que permite a sobreposição das imagens inicial e final dos canais e a comparação quantitativa de sua alteração pela ação das limas.
Instrumentos com ponta romba são imprescindíveis na manutenção da forma original do canal, e a utilização de limas com ponta ativa cortante (Quantec series 2.000 e Quantec SC, por exemplo) é um erro que pode levar a desvios, transportes e perfurações radiculares. Pesquisas realizadas por THOMPSON & DUMMER (1997a, b, c, d; 1998a, b) estão de acordo com os resultados encontrados neste estudo.
O rompimento com o padrão ISO gerou desenhos de limas mais racionais e eficientes, adequados ao movimento de rotação em 360º que os novos sistemas executam. Este maior aumento no diâmetro da lima faz com que uma pequena parte do instrumento trabalhe em contato com a dentina, diminuindo o atrito e impedindo que haja travamento. O receio do uso de instrumentos com conicidade maior que o padrão ISO é infundado, pois os canais produzidos com limas taper .04 apresentam-se com padrão de desgaste bastante conservador, como pode ser visto nas seqüências clínicas. Na instrumentação manual com recuo (escalonamento) programado de 1 milímetro, a conicidade produzida equivale à uma lima taper .05, com o agravante das limas manuais atuarem de maneira não uniforme nas paredes do canal. O uso de limas taper .06 parece ser, portanto, uma alternativa viável e segura, desde que bem indicada.
As limas ProFile apresentam-se com uma numeração simples, existindo a possibilidade de escolha entre diferentes conicidades. Há ainda a opção de numeração não-ISO, caso das séries 29, ProFile GT e Orifice Shapers. Deste modo, o profissional é capaz de dar a forma desejada ao canal, sem depender da filosofia preconizada pelo fabricante. Logicamente o cirurgião-dentista não necessita de todos os instrumentos da família ProFile, podendo optar por apenas um.
O desenho das limas Quantec é muito eficiente, com apoios radiais extensos e boas áreas de escape para debris. Com a criação das limas LX, de ponta romba, um dos seus grandes defeitos, a ponta ativa cortante, foi sanado. Porém, o projeto peca pela tentativa de simplificar muito o preparo do canal, assumindo que todos os condutos podem ser instrumentados da mesma forma, com a seqüência preconizada pelo fabricante. O cirurgião-dentista deve ser soberano na escolha da forma final do canal, sem transferir esta responsabilidade ao instrumento.
A técnica de preparo preconizada por GUERISOLI, SOUSA-NETO & PÉCORA procura inicialmente remover interferências cervicais, minimizando o stress sofrido pelas limas e fazendo com que a força aplicada nas paredes do canal sejam regulares. A utilização dos instrumentos rotatórios somente após o alargamento inicial do canal garante que não haverão interferências no interior do conduto capazes de provocar o travamento da lima e sua fratura. A conicidade final do canal, porém, poderia ser aumentada visando facilitar a obturação. Isto pode ser obtido através do escalonamento com 2 ou 3 limas ou pela utilização de limas taper .06.
Em caso de travamento acidental da lima, o micromotor elétrico é dotado de uma chave para se alterar o sentido de rotação. Quando acionado em sentido anti-horário, o motor expulsará a lima do canal como um parafuso. Em caso de distorção das espiras da lima, os autores são unânimes na afirmação que esta deve ser descartada. A remoção de instrumentos rotatórios em Ni-Ti fraturados no interior do canal radicular é extremamente difícil, pois geralmente a fratura ocorre na porção apical, com o instrumento em contato íntimo com as paredes do canal. O ultra-som não deve ser usado em hipótese alguma, visto que as ligas de níquel-titânio sofrem fragmentação quando submetidas a vibração de freqüência elevada.
Os instrumentos rotatórios apresentam pouca extrusão apical de debris quando comparados com técnicas manuais. Isto é devido à ação rotatória do instrumento, que leva as raspas dentinárias à porção cervical da raiz, sendo facilmente removidas pela irrigação. HINRICHS et al. (1998) e REDDY & HICKS (1998) afirmam que talvez este fato auxilie na recuperação dos tecidos periapicais, além de diminuir a dor pós-operatória.
Um fenômeno várias vezes relatado por clínicos que utilizam estes sistemas é a não-concordância entre instrumento de memória e cone de guta-percha, ou seja, o cone sempre trava antes do comprimento de trabalho. Uma das possíveis explicações é a elasticidade inerente da dentina, que acomoda o instrumento rotatório porém não se distende ao receber o cone de guta-percha. Por este motivo, não se conseguindo travar um cone do mesmo diâmetro que a lima de memória, deve-se selecionar um cone menor com a ponta cortada em 0,5 milímetro. Existem atualmente no mercado cones especiais de conicidade compatível com as limas .04 e .06, tornando mais simples a obturação. Novos aparelhos, como o System B, foram projetados para a obturação de canais instrumentados com sistemas rotatórios (embora possa ser usado em canais instrumentados manualmente).
Autores como GLOSSON (1995), GAMBILL et al. (1996) e BRYANT et al. (1998a) afirmam que o preparo dos canais radiculares com instrumentos rotatórios é mais rápido que com instrumentos manuais, fator observado na seqüência clínica aqui demonstrada.
Diante do exposto, pode-se constatar que os instrumentos rotatórios são eficazes na escultura dos canais radiculares, embora mais pesquisas devam ser feitas com o objetivo de indicar qual a melhor técnica de utilização e as indicações destes instrumentos.

Esta página foi elaborada com apoio do Programa Incentivo à Produção de Material Didático do SIAE - Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação da USP. Copyright 1999, Departamento de Odontologia Restauradora da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.