Tratamento dos trigger points através da infiltração anestésica associada a alongamentos musculares: um caso clínico

Treatment of trigger points through the anesthetic infiltration associated to muscular lengthenings: a clinical case

 

Renato Uetanabara
Cirurgião-Dentista estagiário da disciplina de Oclusão II da FORP/USP

Marcelo Oliveira Mazzetto
Professor Titular do Departamento de Odontologia Restauradora, Disciplina de Oclusão da FORP/USP

Takami Hirono Hotta
Doutoranda em Reabilitação Oral pela FORP/USP
Professora da Universidade de Franca

Sumara Xavier de Oliveira Uetanabara
Cirurgiã-Dentista


UETANABARA, R.; MAZZETTO, M.O.; HOTTA, T. H.; UETANABARA, S. X. O. Publicado na Revista Brasileira de Odontologia (RBO), v.58, n.5, p.318-320, Set./Out. 2001.


 

Resumo
Os autores apresentam um caso clínico do tratamento dos trigger points miofaciais localizados no músculo masseter e na região mastóidea, através da infiltração anestésica associada a alongamentos musculares. A terapia demonstrou-se efetiva na eliminação dos trigger points miofaciais e das dores reflexas. Assim um correto diagnóstico e plano de tratamento são de fundamental importância para evitar terapias que muitas vezes não estão ligadas à fonte das dores miofaciais produzidas pelos trigger points.

Palavras-chave: Trigger points miofacial; síndromes da dor miofacial.

Abstract
The authors present a clinical case of the treatment of the myofacial trigger points located in the muscle masseter and mastoid region, through the anesthetic infiltration associated to muscular lengthenings. The therapy was demonstrated effective in the elimination of the myofacial trigger points and of the referred pains. Like this a correct diagnosis and plan of healthy treatment of fundamental importance to avoid therapies that a lot of times are not tied up the source of the pains myofacial produced by the trigger points.

Key words: Myofacial trigger points; myofacial pain syndromes.


 

Introdução
A importância da dor e disfunção originada pelos trigger points (TPs) miofacial vem ganhando um imenso reconhecimento pelos clínicos e estudiosos (12), pois é considerado um dos fatores contribuintes para a dor na região de cabeça e pescoço (13).
Embora a patofisiologia dos TPs não estejam bem esclarecidas, o TP miofacial pode ser caracterizado clinicamente como pontos específicos de sensibilidade, com uma musculatura tensa e a presença de uma resposta de contração muscular local, quando há um estímulo mecânico na região (12).
Os TPs podem existir em dois estados. No estado ativo, há presença de dor local e uma diminuição no comprimento do músculo afetado, ocasionando uma limitação na mobilidade das estruturas associadas (10). Em adição, os TPs ativos provocam o fenômeno de dor referida (9, 10, 15) e fenômenos autonômicos locais são produzidos, como a vasoconstricção (5).
Quando latente, o TP ainda pode ser caracterizado como uma região sensível, com uma resposta de contração a um estímulo, porém, não ocorre a produção de nenhum fenômeno autonômico ou de dor referida (10, 15). O TP latente persiste por anos e anos, após uma aparente recuperação do músculo afetado; isto pode predispor a um ataque agudo de dor, devido a uma reativação deste ponto por algum motivo (15). A identificação clínica dos TPs pode ser realizada através de um exame cuidadoso dos músculos pela palpação digital (9).
Os fatores ativadores ou formadores dos TPs são: uso estressante da musculatura, tensão muscular (15), estresse emocional (1), postura incorreta (11), fonte de dor profunda (11, 15), hipovitaminoses (3), infecções viróticas (2) e desenvolvimento espontâneo (11).
Uma musculatura sadia não contém TP. Uma musculatura normal não apresenta faixas de fibras tensas, não é sensível a uma palpação vigorosa, não exibe uma resposta local de contração e não há presença de dor referida em resposta a uma pressão aplicada na musculatura. Ambos os TP, latente e ativo causam disfunção, mas apenas o TP ativo causa dor (15).
Aparentemente as mulheres de meia idade, que levam uma vida sedentária, estão mais propensas a desenvolver os TPs (15). Em um trabalho realizado por SOLA et al. (14), de uma amostra de 200 pacientes assintomáticos, na faixa etária de 17 a 35 anos, 54% das mulheres e 45% dos homens apresentavam TPs latentes.
As modalidades de tratamento dos TPs miofaciais são: infiltração ou spray anestésico associado a alongamentos musculares, ultra-som, estimulação elétrica neural transcutânea (TENS) e acupuntura (15).

Relato do Caso
Paciente I. O. C., 55 anos, sexo feminino, branca, casada, procurou o Serviço de Oclusão das Desordens da Articulação Têmporomandibular (SODAT) da FORP/USP, queixando-se de muitas dores na região de cabeça e pescoço, com limitação na abertura bucal (30mm). Durante a anamnese, a paciente relatou que as dores haviam iniciado há uns cinco anos e desde então são freqüentes. A paciente utiliza prótese total superior e inferior.
No histórico, a paciente relatou que há três anos atrás foi submetida a um tratamento, onde uma placa miorrelaxante foi confeccionada e instalada sobre a prótese total superior, ocorrendo uma remissão das dores por um período de dois anos, segundo a paciente. Após esta terapia um novo par de próteses totais foram confeccionadas, porém as dores retornaram com as mesmas características e estão se tornando insuportáveis com o passar do tempo.
Hábitos parafuncionais não foram relatados pela paciente, ao exame físico foi verificado uma postura incorreta, provavelmente decorrente da escoliose, o exame intrabucal de tecidos moles demonstrou uma candidíase protética e as próteses superior e inferior foram consideradas insatisfatórias.
Ao exame de palpação muscular, foi verificado uma certa tensão muscular. Durante a palpação, na região mastóidea esquerda, a paciente relatou uma dor referida na região de occipital esquerdo e frontal direito e esquerdo. Quando palpada na região de masseter esquerdo, a paciente sentiu uma forte "agulhada" (jump sign), na região do ângulo da mandíbula direito. Assim, podemos constatar que se tratavam de pontos gatilhos (trigger points).
Para nos certificarmos do diagnóstico, os pontos foram marcados com uma caneta dermográfica. Depois, procedemos com a assepsia das regiões (masseter esquerdo e mastóideo esquerdo) com álcool 70%, com um auxílio de uma seringa carpule e agulha curta foi realizado um bloqueio anestésico (Xilocaína 2% sem vaso), nos pontos acima citados, segundo a técnica preconizada por OKESON (11) (Figuras 1 e 2).
Após alguns minutos através da palpação digital, verificamos que as dores haviam desaparecido. Então, alongamentos musculares e massagens foram realizados. A terapêutica infiltrativa associada a alongamentos musculares perdurou por mais três sessões com intervalo de sete dias. Ao final, a paciente relatou uma remissão total das dores. A paciente foi aconselhada da necessidade de uma nova prótese, uma vez que as atuais apresentavam-se insatisfatórias em relação à estabilidade e função.

Discussão
Embora a palpação dos pontos álgicos (TPs) produzam dor, a sensibilidade local nos músculos não é a queixa principal dos pacientes que sofrem de dor miofacial com pontos álgicos. As queixas mais comuns se concentram em torno dos efeitos excitatórios centrais (dor reflexa, hiperalgesia secundária, mioespasmo e efeitos autonômicos) (10).
GAM et al. (6), em seu estudo, avaliaram a eficácia do ultra-som combinado com massagens e exercícios no tratamento dos TPs, e concluíram que o ultra-som não reduziu significativamente a dor, mas aparentemente as massagens e exercícios reduziram o número e a intensidade dos TPs.
GROSSMANN & LORANDI (7) concluíram que a infiltração anestésica com Xilocaína mostrou-se efetiva na erradicação do ponto gatilho miofacial, o que está de acordo com os nossos resultados.
Segundo OKESON (11), a infiltração anestésica pode ter um duplo significado em se tratando dos TPs: diagnóstico e terapêutico, ou seja, quando se suspeitar de uma dor reflexa produzida por um TP, a anestesia infiltrativa confirmará o diagnóstico (remissão da dor reflexa) e ao mesmo tempo funcionará como uma terapêutica.
HESSE et al. (8) compararam a ação terapêutica de uma droga (metoprolol) e da acupuntura na eliminação dos TPs. Concluíram que a acupuntura é tão efetiva quanto a droga no tratamento dos pontos álgicos, porém a acupuntura não produz efeitos colaterais.

Conclusão
Podemos concluir que a terapêutica associando a infiltração anestésica de Xilocaína, sem vasoconstrictor, e posterior alongamentos musculares dos músculos portadores dos TPs foi efetiva na eliminação dos TPs e, conseqüentemente, das dores reflexas da paciente. Assim, uma correta anamnese, histórico dental e médico e exame clínico é de fundamental importância para um correto diagnóstico dos TPs, evitando terapêuticas (endodontias, farmacoterapias), que muitas vezes não estão ligadas a fonte de dor.

 

Referências Bibliográficas
1.CARRARO, J. J., CAFFESSE, R. G. Effect of occlusal splints on TMJ symptomatology. Journal Prosthetic Dentistry, v. 40, n. 5, p. 563-566, Nov., 1978.
2.COHEN, S. R. Follow-up evaluation of 105 patients with myofacial pain-dysfunction syndrome. J. Am. Dent. Assoc., v. 97, n. 5, p. 825-828, Nov., 1978.
3.DOHRMANN, R. J., LASKIN, D. M. An evaluation of electromyographic biofeedback in the treatment of myofacial pain-dysfunction syndrome. J. Am. Dent. Assoc., v. 96, n. 4, p. 656-662, Apr., 1978.
4.FRICTON, J. R. et al. Myofascial pain syndrome to the head and neck: a review of clinical characteristics of 164 patients. Oral Surg. Oral Med. Oral Pathol., v. 60, n. 6, p. 615-623, Dec., 1985. Apud. OKESON, J. P. Fundamentos de Oclusão e Desordens Temporomandibulares. 2ª ed., São Paulo, Artes Médicas, 1992.
5.FRICTON, J. R. Myofacial pain: clinical characteristics and diagnostic criteria. Journal Musculoskeletal Pain, n. 1, p. 37-47, 1993.
6.GAM, A. N. et al. Treatment of myofacial trigger points with ultrasound combined with massage and exercise - a randomised controlled trial. Pain, v. 77, n. 1, p. 73-79, Jul., 1998.
7.GROSSMANN, E., LORANDI, C. S. Ponto gatilho miofacial: localização atípica. Revista Odonto Ciência, v. 17, n. 9, p. 129-134, Jan./Jun., 1994.
8.HESSE, J., MOGELVANG, B., SIMONSEN, H. Acupuncture versus metoprolol in migraine prophylaxis: a randomized trial of trigger point inactivation. Journal Internacional Medicine, v. 235, n. 5, p. 451-456, May, 1994.
9.JAEGER, B., REEVES, J. L. Quantification of changes in myofacial trigger point sensitivity with the pressure algometer following passive stretch. Pain, v. 27, n. 2, p. 203-210, Nov., 1986.
10.MURPHY, G. J. Myofacial trigger points. Journal Clinical Orthodontics, v. 23, n. 9, p. 627-631, Sep., 1989.
11.OKESON, J. P. Fundamentos de Oclusão e Desordens Temporomandibulares. 2ª ed., São Paulo, Artes Médicas, 1992.
12.REEVES, J. L., JAEGER, B., GRAFF-RADFORD, S. B. Reliability of the pressure algometer as a measure of myofacial trigger points sensitivity. Pain, v. 24, n. 3, p. 313-321, Mar., 1986.
13.SIMONS, D. G. Myofacial trigger points and the wiplash syndrome. Clinical. Journal Pain, v. 5, n. 3, p. 279, Sep., 1989.
14.SOLA, A. E., RODENBERGER, M. L., GETTYS, B. B. Incidence of hypersensitive areas in posterior shoulder muscles. Am. J. Physiol. Med., v. 34, p. 585-590, 1955. Apud. TRAVELL, J. G., SIMONS, D. G. Myofacial Pain and Dysfunction: The Trigger Point Manual. Baltimore, Williams and Wilkins, 1983.
15.TRAVELL, J. G., SIMONS, D. G. Myofacial Pain and Dysfunction: The Trigger Point Manual. Baltimore, Williams and Wilkins, 1983.

Legendas
Figura1: Infiltração anestésica na região do músculo massater
Figura 2: Infiltração anestésica na região mastóidea