Marco Manfredini e Narciso S da Silva
O alto número de votos nulos e brancos registrados nas últimas eleições deve se constituir num fator de preocupação para os que ajudam a construir a democracia no país.
Muito embora em vários locais, as urnas tenham assegurado a vitória de candidatos compromissados com ética e cidadania, não se pode negar que um claro recado foi dado: o descrédito frente à política respondeu por essa avalanche de votos nulos e brancos. Apesar disso, não tem emocionado alguns parlamentares. Duas iniciativas do senador Júlio Campos (PFL-MT) são exemplos de ações que em nada contribuem para o resgate da credibilidade do Legislativo.
A primeira foi de uma insensibilidade inacreditável: pedia a triplicação dos vencimentos dos parlamentares. Num momento em que milhões de brasileiros sobrevivem com apenas R$ 70,00 por mês, o senador considerou magros os R$ 4.000,00 que recebe sem contar as mordomias. A rejeição, no entanto, foi firme e ela foi esquecida.
Mesma sorte não teve o Projeto de Lei n.19/94, do Senado, apresentado pelo parlamentar, que dispõe da obrigatoriedade da fluoretação do sal de cozinha no país. Aqui, o que parece ser uma tediosa discussão técnica é algo que pode ter conseqüências diretas na vida de todos nós.
A Lei 050/74 e o decreto 76.852 definiram que a política oficial de prevenção de cárie dental no país deve ser viabilizada através de fluoretação das águas de abastecimento público. Os Estados e municípios que adotaram essa medida apresentam expressivas reduções dos índices de cárie. Sem exagero, é um padrão de saúde bucal comparável ao de países desenvolvidos.
Como nem sempre prevalece o bom senso, houve tentativas, como a feita no tempo do governo Collor, de se implantar um programa nacional de fluoretação do sal. Nesse caso, a resistência das entidades de profissionais da saúde fez o go-verno recuar. Nenhum evento odontológico expressivo dos últimos anos preconizou a substituição do flúor na água pelo flúor no sal, até porque no caso de sobreposição dos métodos, a população passa a correr riscos graves.
Acreditar que as companhias salineiras respeitarão os locais com flúor na água significa não acompanhar episódios como os de Peruíbe, onde foram encontradas amostras de sal fluoretado sendo comercializados em supermercados, isso numa cidade com água fluoretada.
O acesso à água tratada, fluoretada e de boa qualidade
é um direito que não pode ser negado à população.
Devemos, pois, exigir que o Congresso se oponha a esta medida assim como,
a contragosto, rejeitou a da triplicação dos salários.
Ou então, com a nossa omissão, seremos coniventes com esses
salários salgados com muito flúor.
Marco Manfredini é Coord. de Saúde Bucal de Santos
Narciso Santana da Silva é Coord. Munic. de Cuiabá-MT
Jornal da Orla-Santos - SP n. 1.081-20/11/94 - pag. 2