NORMAS & PRODUTOS

MANIPULANDO FLÚOR COM SEGURANÇA

PARTE III- Toxicidade Crônica

Jaime Aparecido Cury


Nas edições anteriores do nosso jornal foram abordados sucessivamente os temas: "como transformar unidades de medida de concentração de flúor em termos de quantidade ingerida para prever riscos" e uma discussão sobre "toxicidade aguda". Neste número descreveremos os cuidados com toxicidade crônica, em termos de fluorose dental e esquelética:

FLUOROSE DENTAL - Trata-se de uma anomalia decorrente da ingestão de flúor durante a formação dos dentes. Assim, o flúor circulante no organismo afeta a mineralização dos dentes com a formação de um esmalte hipoplásico de diferentes manifestações clínicas quanto à sua severidade. Considerando ser ainda necessário ingerir flúor para prevenção de cárie e estando ainda a população sujeita a sobredoses dos métodos tópicos, como é possível conviver com um grau de fluorose que seja aceitável do ponto de vista clínico? Os parâmetros de segurança do passado levaram em consideração a temperatura ambiental para se estabelecer uma concentração de flúor na água, chamada de "ótima", de tal modo que a população teria os benefícios de redução de cárie com um mínimo aceitável de fluorose dental. Entretanto, quando se discute toxicologia o importante em termos de riscos/benefícios é a dose a que está sujeito o indivíduo, i.e., a quantidade ingerida em relação ao seu peso corporal (mg F/kg) . Assim, para maior segurança em termos de fluorose dental o indivíduo não deverá ser submetido a uma dose maior que 0,07 mg F/Kg. Deste modo, considerando uma criança de 02 anos de idade, pesando 12 kg e bebendo água fluoretada a 0,7 ppm, estima-se uma ingestão diária média de 0,6 mg F/dia. Portanto, ela estará sendo submetida a uma dose diária de 0,05 mgF/Kg, não havendo preocupações maiores quanto ao nível de fluorose dental provocado. Por outro lado, se esta criança , além de beber água fluoretada escova os dentes com dentifrício contendo 1000 ppm F, estima-se uma ingestão diária média adicional de 0,3 mgF/dia, de tal modo que ela estaria sendo submetida pelo uso de creme dental a uma dose de 0,025 mgF/Kg. Portanto uma criança de 02 anos de idade, bebendo água fluoretada e escovando os dentes com dentifrício fluoretado estará sendo submetida a uma dose diária média total de 0,075 mgF/Kg. Ao mesmo tempo que poderíamos considerar essa dose segura em termos do risco dos níveis de fluorose, devemos lembrar que estamos falando de média. Assim, poderemos ter crianças que estarão sendo submetidas a doses maiores, daí a importância tanto da vigilância da concentração ótima de flúor na água como com os dentifrícios infantis estimulando o consumo. Logo, ao mesmo tempo que se espera que seja cumprida a Resolução 142, de 17/12/94, do Conselho Nacinal de Saúde, dando um prazo de 90 dias (vencerá em 28/03) para a Secretaria de Vigilância Sanitária normatizar os sistemas de vigilância da fluoretaçào da água, espera-se que as firmas produtoras de dentifrícios dirigidos ao público infantil tomem a iniciativa, colocando nas embalagens advertências para o uso de pequena quantidade durante as escovações, ou que a Vigilância Sanitária inicie uma discussão a esse respeito.

Deste modo, com relação à fluorose dental, não existem preocupações maiores com relação ao uso isolado de água ou dentifrício fluoretado. Quando da associação, poderá haver em média um aumento da prevalência de fluorose, a qual, embora não seja comprometedora, não nos exime de tomar medidas para maior segurança. Ainda com res-peito à fluorose dental, uma preocupação maior tem sido em relação aos suplementos de flúor pós-natal. Dados mostram que 75% dos médicos receitam suplementos independentemente de procurar saber se a água tem ou não flúor agregado ao seu tratamento. Em acréscimo, as posologias prescritas nem sempre estão corretas, além de estarem sendo revistas para uma maior segurança. Assim, não é surpresa o conhecimento de que atribui-se em primeiro lugar aos suplementos a razão para o aumento da prevalência da fluorose dental . Neste particular ressente-se de uma não atuação da Vigilância Sanitária e de uma falta de comunicação entre a classe médica e a nossa.

Concluindo, fluorose dental é uma anomalia de formação (mineralização) dos dentes decorrente do flúor que é ingerido sob várias formas. Racionalmente é possível continuarmos usando flúor para redução de cárie sem preocupações com fluorose dental. Por outro lado, para uma segurança ainda maior, algumas medidas deveriam ser tomadas envolvendo: a) controle dos teores de flúor na água; b) recomendações quanto ao uso racional de dentifrício fluoretado por crianças; c) reavaliação dos suplementos de flúor.

FLUOROSE ESQUELÉTICA- Outra preocupação com relação à toxicidade crônica seria o efeito acumulativo do flúor no osso. Em primeiro lugar, deve ser enfatizado que o indicador mais sensível do excesso de flúor é o próprio dente que responde imediatamente, mostrando as alterações estéticas da fluorose dental. Entretanto, enquanto o dente tem um ciclo de formação biológica (mineralização) e destruição patológica (desmineralização por placa-açúcar), o osso mantém um processo fisiológico de reabsorção-neoformação durante toda vida e, assim sendo, haverá efeito acumulativo no esqueleto. Fluorose esquelética tem sido relatada em casos de poluição industrial por flúor ou quando de concentrações naturais muito altas na água. Assim, para regiões de clima temperado, níveis de flúor na água de 4 a 8 ppm não têm sido associados com fluorose esquelética. Por outro lado, em climas tropicais fluorose esquelética endêmica tem sido descrita quando se ingeriu água a 6,0 ppm durante toda a vida. Deste modo, em termos de fluorose esquelética, não há nenhuma preocupação com a agregação de concentração ótima de flúor ao tratamento da água ou com o uso de métodos tópicos. Para elucidar melhor a segurança com a saúde geral, a urina tem sido utilizada como indicador de exposição a fluor. Assim, tendo em vista a utilização de flúor na indústria, a Portaria no 7 do Ministério do Trabalho estabeleceu no Brasil que a concentração na urina de 3,0 mgF/litro é o Limite de Tolerância Biológica a Flúor. Isso quer dizer que , se na urina de um trabalhador for constatada mais que 3,0 mgF/litro, ele está em condições inadequadas de trabalho. Extrapolando isto para a Odontologia, ao determinarmos a concentração de flúor na urina de indivíduos da população de Piracicaba, que bebe água a 0,7 ppm F, encontramos 0,7 mgF/litro. Portanto quem bebe água fluoretada na concentração ótima excreta 4,5 vezes menos flúor que o Limite de Tolerância Biológica, estando a população também totalmente segura quanto a problemas de ordem geral de saúde. Por outro lado, devemos deixar aqui um alerta quanto à presença de flúor natural no Brasil. Nossa experiência mostra que é difícil prever onde ele não existe e em concentraçoes comprometedoras. Assim, qualquer poço perfurado deve ter sua água analisada também em termos de flúor antes de ser distribuida para a população.

Concluindo, a preocupação da Odontologia com toxicidade crônica diz respeito à fluorose dental. Todos devemos estar envolvidos para que o sucesso da redução de cárie conseguida com o uso de flúor ocorra com o mínimo de efeito colateral. Isso sendo realidade, sempre teremos aliados nesta luta pela melhoria da Saúde Bucal da população.