Hamilton T. Bellini
As análises das experiências das políticas de saúde de ideologia capitalista e socialista, responsabilizando respectivamente o indivíduo ou o estado pela saúde de um país, sob o prisma de longevidade e qualidade de vida, vieram colocar uma síntese no assunto.
A responsabilidade em levar uma vida em saúde é, em última instância, do indivíduo. Porém, o estado determina a maior dificuldade ou facilidade com que essa meta pode ser atingida, ou até mesmo a impossibilidade de sobrevivência. Graficamente representa-se um indivíduo tentando levar sua vida em saúde, através de uma ladeira, cuja inclinação é determinada pelas condições do meio, que com exceção das catástrofes, são de responsabilidade do estado, ou pelo menos por ele determinadas (figura 1).
O reflexo dessa visão no exercício das profissões de saúde é amplo:
Paralelamente, o desenvolvimento tecnoló-gico refletiu-se em avanços também no campo de pesquisa, permitindo um melhor conhecimento sobre as principais doenças bucais; o desenvolvimento epidemiológico, além de contribuir para se conhecer o comportamento das doenças na comunidade, permitiu uma análise crítica do exercício das profissões de saúde baseado na atenção à doença. Por um lado, constata-se um melhor manejo no alívio da dor, porém com reflexos muito pequenos na melhoria da saúde pela ação direta dos profissionais. De fato, os maiores progressos em direção à melhor saúde ocorreram muito mais por ações amplas como saneamento, melhoria nas condições de higiene e nutrição, que por intervenção direta profissional.
Essa conscientização está provocando uma mudança de filosofia nas profissões de saú-de e a odontologia também se redireciona.
1. Mudança de Filosofia em Odontologia - Após o empirismo inicial característico da maioria das profissões, o desenvolvimento científico e tecnológico levou o exercício da Odontologia a um período de atenção à doença cada vez mais elaborado e mais aperfeiçoado. Era o reflexo de um conhecimento crescente sobre as principais doenças bucais: cárie e doenças periodontais. O diag-nóstico dessas doenças e o tratamento das lesões por elas deixadas (cavidades e bolsas) chegaram a sofisticações técnicas que possibilitaram o apogeu dessa fase reparadora da Odontologia e sua ascensão como carreira universitária.
Por outro lado, o desenvolvimento de epidemiologia, da metodologia e técnicas de pesquisas possibilitou um maior entendimento da etiopatogenia dessas doenças, resultando numa fase do exercício da profissão com o apogeu da prevenção da cárie e das doenças periodontais.
A prevenção e controle dessas duas doen-ças - as principais causas de perda de dentes - e o conhecimento crescente da fisiologia bucal e desenvolvimento das maloclusões, vêm criando as bases para um exercício baseado em Promoção de Saúde Bucal com o objetivo de uma boca saudável, ou seja, sem cárie, sem doenças periodontais e com boa função no seu sentido mais amplo: boa mastigação, deglutição, fonação e estética.
Esse desenvolvimento odontológico é paralelo e muitas vezes reflexo dos avanços em saúde, onde se busca cada vez mais o ser humano integral - o indivíduo em sua comunidade. Essa visão pretende substituir a anterior, de um indivíduo produtivo vivendo mais anos, pela de um indivíduo saudável, desfrutando melhor os anos.
Não é suficiente acrescentar mais anos à vida se não se propicia mais vida aos anos. É uma visão mais global, onde se pretende mudar o objetivo compartimental de coração, olhos, boca, pulmões ... saudáveis, para o de um indivíduo saudável, incluindo todas suas partes saudáveis.
2. Bases do Exercício Profissional nessa Filosofia - O exercício da profissão nessa nova concepção filosófica, a partir dos co-nhecimentos atuais, implica numa reformulação da prática tradicional onde se exerce a postura de balcão - espera-se a chegada do "freguês" para entregar-lhe algo da prateleira: é atenção baseada no tratamento das lesões mediante um cálculo de orçamento de acordo com os itens comprados. Exemplo: x faces de amálgama; y tratamentos de canal; z coroas; j limpeza; total orçado: xyz
A promoção da saúde envolve atividades gerais do profissional e paciente, bem como ações específicas de cada um, tanto a nível de manutenção de saúde, como de diagnóstico precoce de qualquer desvio, para seu controle em fases de maior facilidade e segurança.
Neste ponto é importante mencionar-se também o câncer bucal, que é fatalmente prevenido pelas medidas gerais de promoção de saúde (ex: controle de hábitos bucais, irritantes locais, fumo), mas onde o diagnóstico precoce é de extrema importância para seu controle.
3. Promoção De Saúde Bucal - Os aspectos básicos para a promoção de saúde bucal são:
3.1. Formação do Profissional e Equipe nessa Nova Filosofia: o perfil profissional compreende a incorporação da promoção de saúde, onde suas qualidades de educador devem ser desenvolvidas ou mesmo despertadas. Nessa filosofia,<M> diagnosticar vai muito além do diagnóstico de lesões bucais, inclui o conhecimento dos aspectos psicológicos, sociais, atitudes e expectativas do paciente, em relação a sua saúde geral e especificamente de sua boca. Quanto mais global for o diagnóstico, melhores as chances de sucesso na educação em saúde e nos resultados do tratamento reparador. Porém a capacidade profissional específica de diag-nóstico bucal será tanto melhor quanto mais precocemente forem detectados os desvios de saúde e quanto mais o paciente desenvolver sua capacidade de autodiagnóstico.
3.2. Educação em saúde - Promoção de saúde é uma necessidade de atividade. O paciente deixa de ser passivo (paciente) e passa a um trabalho conjunto com o profissional. Sua participação é crescente e cada vez maior na medida em que a educação vai se aprimorando. Nessa nova filosofia até mesmo a terminologia deve ser alterada: paciente passa a ser substituído por algo como colaborador, codoutor copromotor, enfim coparticipante, nunca paciente que pressupõe um relacionamento autorida-de/receptor que estimula o monopólio do conhecimento, a elitização profissional e re-presenta uma barreira para a educação. Uma sugestão que pode ser educativa é a de criar uma escala para o indivíduo que chega ao consultório como paciente; após os primeiros conhecimentos e treinamentos passa a ser copromotor, para chegar a codoutor, quando atinge um bom nível de autocontrole do meio bucal e de autodiagnóstico. As bases da educação em saúde passam pelo conhe-cimento das responsabilidades sobre saúde até a educação específica em saúde bucal, partindo-se do princípio da meta de indi-víduos saudáveis com bocas saudáveis.
3.3. Ecologia Bucal Saudável
3.3.1. controle de placa bacteriana
3.3.2. dieta estimulante das funções e com controle da sacarose
3.3.3. estimulação salivar
3.3.4. uso adequado do flúor
3.4. Monitoramento Profissional - Dadas as condições dos
meios atuais, a preservação ecológica ou sua recuperação,
na boca, como na natureza em geral, depende de um monitoramento constante
tanto maior quanto maiores os riscos de desequilíbrio. Cabe ao profissional
um monitoramento do compromisso e desempenho do indivíduo, bem como
de sua saúde bucal e dos menores desvios. Como as variações
individuais são grandes, a freqüência desse monitoramento
deve ser estabelecida de acordo com o risco, considerando-se basicamente
o risco de cárie, de doenças periodontais, de maloclusões
e câncer bucal. É a classificação de risco que
norteará o estabelecimento das medidas de autocontrole e a formulação
do calendário de retornos (visitas) para monitoramento profissional.
HAMILTON T. BELLINI é fundador da ABOPREV