A IMPORTÂNCIA DO ALEITAMENTO MATERNO NO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO FACIAL DO BEBÊ

Thomas Van Der Laan


O recém nascido apresenta fisiologicamente uma grande desproporção entre crânio cefálico e a face, resultando clinicamente numa distoclusão estrutural (Classe II esquelética) e pequena altura facial, situação anatômica naturalmente prevista pelo maior crescimento facial do que cefálico durante a infância e adolescência, até chegar à idade adulta em neutroclusão facial normal, com um crescimento facial resultante para anterior e inferior.

O crescimento do neurocrânio se deve principalmente ao crescimento expansivo (centrífugo) da massa encefálica, que é regulado genotipicamente, ou seja, quase sem influências do meio externo. Já a face, necessita, além dos estímulos genotípicos, de estímulos externos (do meio) para crescer, os chamados estímulos paratípicos oferecidos naturalmente pelas funções: respiração, amamentação, mastigação e deglutição. Como é a amamentação que está em questão, deixemos os benefícios oferecidos por outras funções naturais pendentes.

Durante a amamentação do bebê, sua mandíbula realiza movimentos ântero-posteriores exclusivamente, o rebordo incisivo superior se apóia na superfície superior do mamilo e parte do peito materno, enquanto a mandíbula realiza movimentos protrusivos e retrusivos, tendo a língua como válvula hermética, extraindo, assim, com um considerável esforço, o leite materno, nutritivamente e imunologicamente tão importante ao bebê.

Essa "ordenha" acima des-crita é um esforço físico intenso, tornando o peito materno fisicamente insubstituível. Mamando, o bebê succiona ("chupa") o conteúdo líquido, obtendo pressão negativa na boca, principalmente pela ação dos músculos bucinadores e sem muito esforço, enquanto que a "ordenha" do peito materno exige um maior trabalho dos músculos pterigoideos, masséteres e temporais, movimentando a mandíbula para frente e para trás em sincronia com a deglutição. Com essa função podemos, então, observar três fatos fundamentais:

durante a amamentação, o bebê não solta o peito materno, respirando exclusiva-mente pelo nariz, mantendo e reforçando o circuito de respiração nasal, função importante para a correta filtragem, umidificação e aquecimento do ar e estímulo paratípico imprescindível ao correto desenvolvimento facial.

o intenso trabalho muscular, avançando e retruindo a mandíbula, realizado principalmente pelos pterigoideos mediais e late-rais, masséteres e temporais, faz com que estes músculos estejam bem treinados, ou melhor, preparados fisicamente para futuramente exercer uma boa função mastigatória dos alimentos duros.

esses movimentos protusivos e retrusivos mandibulares, realizados diversas vezes ao dia, fazem com que a zona bilaminar ou retrodiscal das ATM's, altamente inevervada e vascularizada, receba uma quantidade considerável de estímulos neurais, obtendo como resposta o crescimento póstero-anterior mandibular, fazendo com que a mandíbula se encontre em posição ideal para a erupção dos dentes decíduos em neutroclusão (Classe I). Isso ocorre graças ao cumprimento das leis de desenvolvimento do sistema estomatognático descobertos e descritos por Planas. Experimentos com ratos realizados por Petrovic e cols. e revisados por Stutzmann sugerem que uma maior função ântero-posterior mandibular tem como conseqüência uma resposta de crescimento anterior da mandíbula, e que a variação da posição ântero-posterior mandíbular pode afetar seu crescimento através da atividade dos músculos associados a essa função.

Podemos, então, depois deste breve esclarecimento, afirmar que a amamentação é uma função importantíssima, proporcionando uma estimulação necessária ao crescimento mandibular anterior, prevenindo, assim, grande parte das distoclusões (Classe II).

Os ianomâni nascem no meio da selva, longe dos obstetras e pediatras, têm seu cordão umbilical cortado com pedras ou facões de mato e amarrado com fibras de cascas de árvores, descascadas e desfiadas pelos dentes de sua mãe, e se encontram obrigados, por uma simples questão de sobrevivência, a se alimentar do que a natureza lhes presenteia : o leite materno.

Ignorando imunoglobulinas, esterilização e posições de mamar, a criança ianomâni se alimenta exclusivamente do leite materno até o início da erupção dos primeiros dentes decíduos, quando começam a tocar seus incisivos, experimentando movimentos de lateralidade mandibular, mastigando pedaços de carne de caça muquiada, grãos de farinha de mandioca, frutos da região (pupunha, assaí, buruti, etc) e outros alimentos diários de seus pais que são dados na mão dessa criança, colocando em função seu imaturo aparelho mastigatório, um aprendizado de mastigação. Os ianomâni não conhecem os mordedores nem recebem para comer "amassadinhos, papinhas ou mingalzinhos", que estamos tão acostumados a dar aos nossos filhos.

A amamentação dos bebês ianomâni dura o tempo necessário para acostumar a criança à alimentação normal dos adultos. Esse tempo leva aproximadamente 3 anos, sendo comum ver uma criança de 5 anos pegando um peito alheio para um "lanche". Respiradores bucais, distoclusões e mordidas abertas não foram observadas nas aldeias que visitei. Os ianomâni desconhecem a higiene bucal e chegam freqüentemente à idade adulta e senil com todos dentes presentes nas arcadas.

Por que os ianomâni conseguem chegar a idades avançadas com dentes e sem dentistas se nós, com tanta ciência odontológica e higiene bucal, dificilmente mantemos nossos dentes íntegros? Será só pela ausência do açúcar refinado ou podemos relacionar função natural com saúde?

É exatamente esta a proposta da RNO, ou reabilitação neuro-oclusal de Pedro Planas: promover função ao sistema estomatognático atuando sobre os centros neurais receptores que proporcionam uma resposta de desenvolvimento normal e equilibrado, excitando-os ou inibindo-os fisiologicamente e na medida necessária o mais precocemente possível e, se possível, desde o nascimento, conseguindo assim a prevenção do hipodesenvolvimento facial tão freqüente no mundo civilizado, causa etiológica da maioria dos desequilíbrios oclusais.

Não sejamos ingênuos limitando a odontologia preventiva exclusivamente à higiene bucal, dieta, análises bioquímicas e flúor. Esses métodos são tão importantes para a prevenção da cárie quanto as funções: amamentação, respiração, deglutição e mastigação são importantes para a prevenção da maloclusão.

No Brasil ocorre freqüentemente a confusão entre RNO e a ortopedia funcional dos maxilares. A RNO de Pedro Planas e a ortopedia funcional são distintas e não devem ser misturadas. Essa confusão deve ser desfeita principalmente nas cabeças preocupadas com a saúde bucal.


THOMAS VAN DER LAAN é estagiário da Clínica do Professor Pedro Planas em Barcelona - Espanha