SELANTES DE FÓSSULAS E FISSURAS
OCLUSAIS
Fernando Borba de Araújo
Em um modelo epidemiológico, um estado de doença é
devido a inte-relações de três fatores primários:
o hospedeiro, o agente agressor e influências do meio ambiente. Seguramente,
vários fatores secundários influenciam o grau de progressão
de uma doença. Muitas doenças podem ser vistas como produto
da interação desses fatores primários e secundários.
Sabe-se que a cárie é uma doença multifatorial, sendo
este termo usado para explicar a interação entre três
fatores primários (um hospedeiro susceptível, o dente; uma
microflora cariogênica e um adequado substrato local - sacarose -
para preencher as necessidades da flora patogênica), essenciais para
a sua iniciação e progressão.
Evidências experimentais suportam o conceito de que a microbiota
e a dieta (substrato adequado) são pré-requisitos para a
instalação da cárie, uma vez que já foi demonstrada
a essencialidade da bactéria oral e de um substrato local no aparecimento
da doença.
Assim, vemos a necessidade do controle das causas primárias
da doença cárie, reconhecendo que o fator cariogênico
essencial é a bactéria. Vários estudos de-monstram
que o estreptococos do grupo mutans é a bactéria mais implicada
com cárie dental no homem, colonizando preferencialmente as superfícies
oclusais, sulcos, áreas de contato e outras zonas retentivas.
Estas zonas se apresentam sob diferentes formas, geralmente estreitas
e tortuosas, com invaginações ou irregularidades, onde bactérias
e restos alimentares são retidos mecanicamente, dificultando a higienização
e tornando-se um meio altamente favorável à instalação
da cárie.
Ao determinarmos o momento de aquisição do estreptococos
do grupo mutans, chamado "janelas da infectividade" (erupção
de primeiros molares decíduos e permanentes e segundos molares permanentes),
e associarmos a este fatores que controlem a instalação da
doença, entre eles o flúor, o controle mecânico
de placa bacteriana e o selante de fóssulas e fissuras oclusais,
estaremos criando uma situação química ou mecânica
desfavorável para a predominância do estreptococos do grupo
mutans.
Tem sido documentada através da literatura uma significante
diminuição na prevalência de cárie na maioria
dos países chamados primeiro mundo, sendo que a maior percentagem
de declínio ocorre nas superfícies lisas, e a menor, nas
fóssulas e fissuras. Se esta diminuição é devida
principalmente ao ambiente ecológico fluoretado, podemos esperar
que, em geral, a possibilidade de instalação da doença
em superfícies lisas seja menor que em superfícies oclusais.
E presença deste ambiente fluoretado, associado ao alto teor
mineral do esmalte, faz com que a progressão da lesão seja
lenta ou até mesmo estacione a sua evolução, sendo
muitas vezes não diagnosticada clinicamente pela complexa anatomia
da superfície oclusal. A progressão ou paralisação
destas lesões pode ser acompanhada por um monitoramento constante,
onde a avaliação é clínica visual (cor e textura)
e não mais tátil (sondagem com o explorador) e em alguns
casos, radiográfica (profundidade).
Mesmo sabendo-se que a função de um selante não
é somente de prevenir o ingresso de bactérias, nutrientes
bacterianos e restos alimentares nas fóssulas e fissuras oclusais,
mas também de preencher estas depressões de maneira que a
estagnação nestas áreas seja minimizada e a
limpeza melhorada sem interferir na função, a técnica
não tem uma posição uniforme de destaque na maioria
dos países desenvolvidos, embora se saiba que o uso desta medida
preventiva tenha aumentado nos últimos anos.
Com relação à efetividade do método, pesquisas
mostram resultados seguros em até 15 anos de acompanhamento, a despeito
de ter sido aplicado uma só vez. Os pesquisadores adeptos ao uso
dos selantes ainda ressaltam que, com os cuidados rotineiros de prevenção
(manutenção periódica profissional), múltiplas
aplicações podem ser realizadas quando de uma perda parcial
do material, o que os levam a sugerir que um índice de 100% de prevenção
de cárie em superfícies oclusais pode ser alcançado.
Em geral, os selantes são compostos à base de polímeros
de BIS-GMA, os quais podem ser autopolimerizáveis ou fisicamente
polimerizáveis. Alguns dos selantes contêm partículas
de carga inorgânica (partículas de vidro ou quartzo) em uma
proporção que pode variar entre 20 a 50%, que lhes conferem
maior resistência ao desgaste. Em contrapartida há uma maior
dificuldade de penetração no interior de uma fissura, quando
comparado aos selantes sem carga.
Recentemente, surgiram os selantes à base de BIS-GMA fluoretados
como um material preventivo promissor, que atua não só como
protetor mecânico das fóssulas e fissuras oclusais, mas também
como protetor químico, uma vez que aumenta a resistência à
desmineralização da área de esmalte adjacente ao material
selador pela liberação de concentrações significativas
de fluoreto.
Ainda com relação aos materiais sela-dores que liberam
flúor, os selantes à base de cimento de ionômero de
vidro têm sido recomendados para cumprir esta função
em casos clínicos mais selecionados, em função de
seu baixo índice de retenção, quando comparados aos
selantes à base de BIS-GMA. Essa propriedade tem sido melhorada
com o advento dos ionômeros resinosos, que, além de aderirem
melhor à estrutura dentária, são mais resistentes
ao desgaste e parecem liberar maiores quantidades de fluoreto.
Uma questão que nos parece de extrema importância diz
respeito aos dentes que deverão ser selados, ou melhor dizendo,
os que podem ser selados. Em geral, ao examinarmos uma criança para
a elaboração de um plano de tratamento, devemos levar sempre
em consideração as condições individuais do
paciente, seus hábitos de higiene, dieta e fllúor, sua história
odontológica anterior e presente, para que possamos ter a oportunidade
de pôr em prática um programa preventivo de controle da doença
cárie (promoção de saúde bucal), no qual o
selante pode ser incluído, e não somente um método
preventivo de cárie em uma determinada superfície.
Ao nos definirmos pela colocação de um selante, devemos
saber diagnosticar o período crítico ("quando") para a execução
da medida de proteção física ao hospedeiro. Assim,
no intervalo de tempo, a partir do momento em que boa parte da superfície
oclusal já estiver exposta, até ocorrer a oclusão
com o dente antagonista, parece ser o momento ideal sob o ponto de vista
biológico para a colocação do material. Sabemos que
a partir da oclusão com o dente antagonista, forças mecânicas
interagem, promovendo uma autolimpeza e, consequentemente, menor estagnação
de placa nesta área.
Com relação ao selamento de lesões incipientes
de cárie em superfície oclusal, vários estudos reportam
uma diminuição da concentração de bactérias
contribuindo para a não evolução da lesão.
Os microorganismos cariogênicos parecem ser incapazes de continuar
a desmineralização, pois o substrato não está
disponível, o que indica que o risco de uma evolução
da lesão é pequeno, mesmo quando um número limitado
de microorganismos ainda estiver presente.
Já nos referimos à dificuldade do diag-nóstico
clínico de cárie nas superfícies oclusais, o que nos
leva, certamente, em algumas situações clínicas, a
"selar inadvertidamente" estas zonas. Mas por outro lado, o selamento intencional
de uma lesão cariosa parece ser uma postura de extrema complexidade
e com muitas variáveis até alcançar-se o "sucesso
biológico" relatado na literatura (interrupção da
desmineralização pela falta de substrato). Uma destas variáveis,
sem dúvida nenhuma, é a perda parcial do selante ou qualquer
alteração marginal que propicie uma maior infiltração
de novas bactérias para a zona abaixo do selante, que levaria a
uma evolução do processo de cárie.
Um outro ponto de discussão na proposição do selamento
de cáries incipientes é o fato de que o clínico perde
a oportunidade de acompanhar visualmente ( a melhor forma de diagnosticar
alterações na superfície oclusal) a evolução
ou estacionamento da lesão, principalmente se os selantes utilizados
forem com carga.
Para finalizar, sabemos que a efetividade e a durabilidade de um selante
estão relacionadas intimamente com a profilaxia prévia, com
o condicionamento ácido do esmalte, atualmente com ácidos
menos concentrados e com um tempo menor de trabalho, em um isolamento de
campo sem riscos de contaminação e com uma técnica
de aplicação correta, seguindo as normas preconizadas por
cada fabricante.