Luiz André F. Pimenta
Um dos maiores problemas observados na odontologia é o grande
número de restaurações que são substituídas
por se apresentarem deficientes. No entanto, a qualidade das restaurações
é um parâmetro extremamente difícil de se definir.
Uma grande variedade de razões para se explicar os motivos
pelos quais, em algum momento, as restaurações falham, vem
sendo apresentada na literatura. A determinação dessa falha
pode estar relacionada com a função, integridade marginal,
estética, resposta periodontal, presença de cárie
primária ou secundária, condições pulpares,
sintomatologia dolorosa ou outros desconfortos e a durabilidade do próprio
material restaurador.
Algumas das razões atribuidas às falhas das restaurações,
de acordo com a freqüência em que são citadas na literatura,
incluem: (1) cárie - primária, secundária ou residual;
(2) falta de contorno, escultura e contactos oclusais e/ou proximais; (3)
excessos ou defeitos cervicais; (4) fraturas do dente ou da restauração;
(5) problemas pulpares; (6) outras razões.
Devido a essa grande variedade de razões e à falta
de critérios, os dentistas gastam a maior parte de seu tempo e obtêm
substancial parte de seus rendimentos graças à substituição
de restaurações. É sabido que uma em cada três
restaurações apresenta-se insatisfatória e pode enquadrar-se
em qualquer uma das razões mais comumente usadas para definir o
insucesso (Elderton, 1976).
Com relação à cárie secundária,
esta vem sendo apontada como a principal causa para a substituição
das restaurações. No entanto, há muita variação
quanto ao plano de tratamento mais adequado. Essa discrepância no
planejamento está diretamente relacionada com a capacidade de se
fazer um correto diagnóstico de cárie em dentes restaurados.
O processo envolvido na formação da cárie secundária
é semelhante ao da cárie primária. Os cuidados com
a higiene bucal, tipo de dieta, uso de flúor e fatores que propiciam
maior retenção de placa devem ser considerados quando a distribuição
e freqüência de cárie forem avaliadas. O diagnóstico
clínico de cárie secundária pode ser muito dificultado
e apresentar muitas variações, pois as lesões de parede,
em grande parte não podem ser detectadas, a não ser que estejam
em um estágio mais avançado, a ponto de provocar uma descoloração
ou até mesmo o enfraquecimento da estrutura dentária.
Outro importante aspecto, com relação ao diagnóstico
de cárie secundária, é questionar não só
a presença da lesão, mas se esta lesão apresenta-se
ativa ou paralisada e se ela progredirá caso não seja removida
(Kidd, 1989).
A falta de critérios para a substituição
das restaurações pode estar diretamente relacionada com a
falta de estratégia de ensino. Durante os últimos 100 anos
as Faculdades de Odontologia, não só do Brasil, mas de grande
parte do mundo deram um enfoque cirúrgico-restaurador em seus currículos,
passando a tratar as conseqüências da doença e não
suas verdadeiras causas. Desta forma, acreditava-se que restaurações
muito bem adaptadas, esculpidas e polidas, feitas por "artistas" extremamente
habilidosos seriam capazes de tratar o paciente. Por esse motivo, os dentistas
têm a impressão de que margens mal adaptadas ou até
mesmo pequenas degradações estão associadas à
alta probabilidade de se ter cárie secundária. No entanto,
sabe-se que a desadaptação marginal por si só não
é um fator determinante na prevalência de cárie secundária
(Pimenta,1991). O que se verifica é que as condições
de saúde não melhoram somente com a qualidade das restaurações,
mas sim com a associação de medidas preventivas, a fim de
controlar a doença.
Tomando como base todas essas considerações, certamente
há uma urgente necessidade de melhora nos critérios para
diagnóstico de cárie. Critérios mais lógicos
devem ser instituídos para se decidir o tratamento através
de medidas preventivas ou, se forem necessárias,intervenções
restauradoras. Acredita-se que a melhor abordagem seja aquela baseada no
risco de cárie de cada paciente, isto é, na determinação
da necessidade de tratamento de forma individualizada.
Outro aspecto importante é a recente introdução
de novos materiais no mercado odontológico, principalmente dos cimentos
de ionômero de vidro, que apresentam em sua composição
o flúor. Assim sendo, fica difícil avaliar precisamente a
qualidade e a longevidade das restaurações feitas com esses
materiais, porém acredita-se que o uso desses materiais, enquadrado
dentro de uma filosofia não mais cirúrgico-restauradora,
permita que essas restaurações possam exercer suas funções
por um maior tempo clínico.
Para que alguns critérios fossem estabelecidos, no ano
de 1989, foi realizado um Simpósio que abordou o tema "Avaliação
Qualitativa de Restaurações em Odontologia", no qual os critérios
para substituição são apresentados a seguir:
Como se pode observar, os critérios para a substituição
de restaurações, mesmo apresentando algumas regras básicas,
ainda são bastante subjetivos, dependendo muito da experiência
clínica e fundamentalmente de bom senso. Por essa razão,
algumas alternativas de tratamento podem ser utilizadas evitando-se a remoção
de uma restauração que na maioria das vezes remove tecido
dentário sadio, colocando-se em risco a estrutura remanescente (Baratieri
et al.,1992). Dessa forma, baseado na avaliação do risco
de cárie e no bom senso clínico, muitas vezes podem ser realizados
recontornos proximais, a fim de remover excessos de restaurações,
a reescultura e repolimento (figuras abaixo) ou até mesmo o reparo
parcial de uma restauração.
Os procedimentos restauradores não podem ser descartados
no contexto atual da odontologia, principalmente no Brasil. No entanto,
deve-se tomar consciência de que as restaurações não
têm a capacidade de tratar a doença cárie e por isso
medidas como a orientação para higiene bucal, dieta e uso
racional do flúor devem ser enfatizadas e priorizadas para que a
longevidade das restaurações seja aumentada.