A ODONTOLOGIA COMUNITÁRIA E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Sylvio Gevaerd


Ao longo das últimas décadas no Brasil, duas principais formas de atendimento se consolidaram para intervenção sobre os problemas de saúde da população.
Uma, desenvolvida a nível privado, baseada no atendimento individualizado, com ênfase para as técnicas de recuperação de dentes e demais danos à cavidade bucal, através de utilização de crescente e sofisticada tecnologia, chamada odontologia individual.
A partir da constatação de que as necessidades de assistência não poderiam ser supridas em volume e capacidade de compra pela população, desenha-se a "odontologia comunitária" com objetivo de promover intervenção abrangente, através do sistema público e/ou filantrópico, utilizando métodos de baixo custo, pretendendo ampliar a cobertura na forma de programas a alguns grupos entendidos como prioritários e fornecer atendimento individual, em geral de caráter emergencial, à população.
Esta concepção de organização de assistência odontológica tem sofrido muitas críticas ao longo dos últimos anos, por sua natureza discriminatória e elitizada, pelo entendimento restrito do processo saúde/ doença, e fundamentalmente pelos insatisfatórios resultados conseguidos em termos de cobertura e melhoria dos níveis de saúde bucal. Mas é com a implantação do Sistema Único de Saúde que constatamos a exaustão destes modelos, agravada pela recessão econômica em que o país vive. É a partir deste quadro e do recente processo de municipalização das ações de saúde, que define um novo papel para os sistemas municipais de saúde, que hoje refletimos sobre novas diretrizes para a organização das ações de saúde bucal no Sistema Único de Saúde, com perfil mais abrangente que supere aquele proposto pela "odontologia comunitária".
Destacamos três vertentes importantes na construção dos novos modelos assistenciais, e que estão profundamente interligadas:
As formas de acesso da população ao sistema de saúde bucal contraditoriamente no país têm-se constituído em barreira para a resolução das necessidades dos "candidatos" a usuários. As limitações técnicas impostas, tais como: atendimento a determinados grupos e a determinados tipos de danos, a localização das unidades aliadas a deficiências administrativas e de organização acabam por tornar o acesso a cuidados de saúde bucal um privilégio de poucos e uma "via crucis" para a maioria.
A definição de novas formas de acesso ao sistema tem de atender a uma lógica centrada no conhecimento e interpretação das necessidades e aspirações dos usuários, clínica e/ou epidemiológica, associadas à análise de sua organização social e demográfica e condições de vida entre outros. Esta definição fará com que as possibilidades de acesso variem de acordo com condições locais construídas a partir dos problemas de Saúde Bucal das pessoas, e não determinadas por critérios técnicos burocráticos-odontológicos.
O caráter de prática em saúde bucal, para os modelos assistenciais no Sistema Único de Saúde, precisa voltar-se mais para o enfrentamento das doenças bucais no plano coletivo, de forma associativa com a atenção individual. Este pressuposto nos coloca frente à necessidade de aplicação do conhecimento científico, tecnologia e materiais já disponíveis no controle das principais doenças bucais: cárie e doença periodontal. Para tanto, faz-se necessário contextualizar este conhecimento à realidade da sociedade brasileira, suas condições de saúde bucal e as possibilidades do sistema de saúde e sobretudo compatibilizando a intervenção clínica e a intervenção epidemiológica.
A participação efetiva da população na definição e controle da organização/programação/avaliação dos serviços se coloca como diretriz principal do sistema de saúde. No plano político a participação democrática dos usuários está vinculada à construção da cidadania. No plano operacional, traduz-se pelo estabelecimento de uma relação nova com a população basea-da numa concepção ética de responsabilidade mútua.
Estão aqui colocadas algumas questões que, entre outras, representam um desafio para todos nós, envolvidos na construção do Sistema Único de Saúde. A superação do modelo da "odontologia comunitária", entendida não como negação do mesmo, mas como avanço a partir da crítica das experiências vivenciadas significa a possibilidade concreta de tornarmos realidade, melhores níveis de Saúde Bucal para a população.