Entrevista com Anders Thylstrup


O 11º Congreso Internacional de Odontologia do Rio de Janeiro contou com a participação de um renomado cariologista: Anders Thylstrup, Professor do Departamento de Cariologia e Endodontia do Royal Dental College de Copenhagen, que concedeu ao Jornal da ABOPREV uma entrevista exclusiva, onde fala do declínio de cárie no mundo e da importância da organização dos sistemas de atendimento odontológico.

ABOPREV - No Brasil, foram instituídos na reforma sanitária os procedimentos coletivos de saúde, envolvendo escovação com dentifrícios fluoretados, bochechos, aplicação tópica de flúor e selantes, em regiões tendo ou não água fluoretada. Você acha que tudo isto é necessário? Como faríamos para selecionar um método?

THYLSTRUP - Eu acho que o flúor é uma medida muito boa, mas acho que, por um longo tempo, tratou-se a cárie como uma questão associada apenas ao flúor. A maioria das pesquisas sobre cáries nos últimos 20 anos enfocou somente o flúor, o que confundiu o entendimento da doença cárie. Hoje nós estamos restringindo o uso do flúor a condições específicas como lesões de cáries ativas. Não usamos o flúor em todos os dentes de todos os pacientes. Não porque o flúor seja perigoso, mas há efeitos indesejáveis como a fluorose dental, por exemplo. Há 10 anos eu fui aos EUA falar sobre fluorose e eles diziam "não acreditamos em você,...isso não existe,...não há um compromentimento estético...". Hoje este tema é muito discutido e eles estão estudando fluorose dental. Temos que perceber que na Odontologia, assim como na Medicina, muitos fatores têm de ser anali-sados para mudar uma situação. Acho que é importante ensinar os dentistas a restringir o flúor aos dentifrícios e à aplicações tópicas em lesões ativas. Da mesma maneira, podemos discutir a aplicação de selantes de fóssulas e fissuras. A colocação de selantes envolve alta tecnologia e os dentistas gostam de alta tecnologia. Além disso,  ao se aplicar selantes está se fazendo algo com as mãos e de acordo com a odontologia clássica.

ABOPREV -Qual é a sua opinião a respeito da fluoretação do sal, que tem sido discutida no Brasil?

THYLSTRUP - Acho que o flúor é muito útil para a comunidade odontológica, mas acho também que, antes de entrar em discussões complicadas sobre a fluoretação, é preferível voltar-se para técnicas de baixo custo, cuja eficácia já foi demonstrada, e utilizá-las em países em desenvolvimento, como o Brasil.

ABOPREV - Os dentistas do serviço público da Dinamarca são valorizados?

THYLSTRUP - Há muitos anos atrás as pessoas não consideravam os dentistas da rede pública tão bons como os outros de clínicas particulares. Mas nós mudamos esse quadro e hoje eles são considerados ótimos dentistas. Os dentistas da rede pública estão instruídos e informados quanto ao tratamento de lesões incipientes ou cáries paralisadas, de maneira que só se restaura um dente quando necessário. Os problemas ocorrem quando um paciente deixa a rede pública e procura uma clínica privada, cujo dentista desconhece o que seja cárie paralisada. Este dentista às vezes faz uma radiografia e mostra ao paciente, dizendo "está vendo, você tem cárie que não foi tratada". Essa é uma discussão ainda em andamento, mas estamos tentando resolver  isso, que é um problema de comunicação a nível local. É preciso informar os dentistas da rede privada.

ABOPREV- Tem-se falado muito sobre o declínio de cárie no mundo industria-lizado. Na sua opinião, qual é a melhor explicação para este fato?

THYLSTRUP - Há muitos fatores, é claro, mas antes de tudo é importante observar o declínio, isoladamente, em diferentes paises, porque, embora haja um declínio geral, existem variações que devem ser estudadas. Na Europa, por exemplo, há grandes variações e no tocante à Dinamarca, pelo menos sob o meu ponto de vista, a implantação de um sistema público de tratamento dentário para crianças, em 1972, teve um enorme impacto no declínio de cárie dental. Por outro lado, a Alemanha, embora também seja um país desenvol-vido, apresenta um alto índice de cárie entre as crianças e a única diferença, quando comparamos com a Dinamarca, é a ausência de um serviço de atendimento organizado.É interessante observar que a Alemanha gasta o dobro em tratamento odontológico. O que aconteceu na Dinamarca foi uma mudança na forma do tratamento da cárie. Eu tenho discutido em minhas conferências que o declínio da cárie é resultante da organização do sistema de atendimento odontológico e não do consumo de açúcar ou coisa parecida, porque não houve mudança na dieta. Mas sabemos, por outro lado, que tem havido um consumo de flúor em dentifrícios, programas de bochechos, etc... Onde estou querendo chegar? Na odontologia e seu papel no declínio da cárie. A fluoretação dos dentifrícios, por exemplo, certamente não apareceu do nada. Foi resultado de pesquisas na área odontológica. Em resumo, acredito que os profissionais de odontologia  são os responsáveis pelo declínio.

ABOPREV - Como este declínio poderia ocorrer em paises em desenvolvimento, como o Brasil ?

THYLSTRUP - É difícil, para mim, dizer algo a respeito, porque vocês têm muitos problemas e existem diferenças entre a Dinamarca e o Brasil. O essencial é observar o declínio de cárie e saber interpretá-lo, tirando daí os princípios, que  podem ser adaptados. Eu acho que a cárie é um problema principalmente administrativo. Nós sabemos muito sobre cárie, mas nos apegamos a detalhes e acabamos deixando de lado os conceitos básicos. Não se tem avaliado o problema antes de discutir o que já se sabe sobre a doença. Há ainda um outro aspecto que diz respeito à situação política e econômica, que sabemos serem tão diferentes entre o Brasil e a Dinamarca. Posso dizer-lhes que há cem anos atrás nós estávamos exatamente como o Brasil hoje, em termos de dinheiro, pobreza, etc... Mas esta situação mudou de uns 60 anos para cá.

ABOPREV - Então, na sua opinião, para haver uma melhoria na saúde bucal, seria necessária uma melhoria na qualidade de vida geral?

THYLSTRUP - Eu me interesso por política e pelo socialismo. É claro que é importante mudar as condições econômicas, mas não acho que devemos esperar a solução de todos os problemas para depois tratarmos a doença cárie. Eu acho que a melhoria na saúde bucal é possível, particularmente no Brasil, porque há muitos dentistas para eliminar as diferenças sociais, usando métodos de baixo custo. Assim, mesmo as pessoas pobres poderiam ter bons dentes. Vocês já conhecem nossos traba-lhos. Acho que vocês deveriam realizar estudos no Brasil, para poderem ter os seus próprios dados. Caso contrário, vocês poderiam dizer : "OK, isso funciona... na Dinamarca e em países desenvolvidos". Mas é importante demonstrar que no Brasil o mesmo fato também pode ocorrer. Não acreditem em elefantes brancos vindos dos EUA ou da Dinamarca. São necessários estudos locais, em pequena escala, para se obterem dados e convencer as pessoas do que é possível.