GUIA PRÁTICO PARA USO DA INSTRUMENTAÇÃO ELETROMECÂNICA (ROTATÓRIO) NO TRATAMENTO DOS CANAIS RADICULARES
Prof. Dr. Jesus Djalma Pécora - Titular de Endodontia FORP-USP
Alexandre Capelli - CD, Especialista em Endodontia e Pós Graduando de Endodontia da FORP-USP
Eduardo Luiz Barbin - CD, MD e Especialista em Endodontia
Fábio Heredia Seixas - CD, Especialista em Endodontia e Pós Graduando de Endodontia da FORP-USP
Os aparelhos utilizados para acionar os instrumentos rotatórios podem ser de dois tipos: a) elétrico e b) ar comprimido.
As técnicas que utilizam aparelhos elétricos para acionar as limas devem ser definidos como técnicas de instrumentação eletromecânica, uma vez que a eletricidade vai proporcionar a ação mecânica dos instrumentos.
As técnicas que utilizam aparelhos acionados por ar comprimido devem ser entendidas como técnicas de instrumentação pneumomecânica.
Apesar das técnicas eletro e pneumomecânicas serem atuais, deve-se ressaltar que já em 1945, PUCCI descreveu a ação das limas e alargadores acionadas por peça de mão.
A instrumentação rotatória, de modo geral, não conseguiu ser bem aceita no meio endodôntico por causa dos problemas advindos das limas de aço inoxidável, que mantinham a mesma conicidade e flexibilidade das limas manuais.Instrumentos movidos por motores como o Giromatic (Micro-Mega) e o Racer (W&H, Áustria) foram desaconselhados, pois mostraram-se menos eficientes quando comparados às limas manuais.
Com o advento da liga de Níquel-Titânio ( Ni-Ti ) foi possível o desenvolvimento de diferentes instrumentos rotatórios para o preparo dos canais radiculares.
O desenvolvimento de sistemas que utilizam instrumentos endodônticos fabricados em Níquel Titânio ( Ni-Ti ) foi um acontecimento revolucionário, que incorporou uma nova tecnologia na fabricação das limas ou seja, a fabricação das limas passou a ser por métodos de usinagem e não pelo método de torção. Essa nova tecnologia possibilitou a usinagem de limas com conicidades (TAPER) diferentes das limas manuais em aço-inoxidável. Deste modo, as limas de Ni-Ti apresentam conicidades que variam de 0,02 a 0,12, dependendo do fabricante, enquanto as limas em aço-inoxidável apresentam apenas conicidade 0,02.
Assim, tornou-se possível a usinagem de limas de Ni-Ti com diferentes desenhos (ProFile®, Pow - R®, Quantec®, K3™, ProTaper™, Hero642®).
A tecnologia desenvolve-se rapidamente e, hoje já existe em um único instrumento várias conicidades.
As mudanças ocorridas nos instrumentos de Ni-Ti foram muitas, a saber:
a) ângulo de corte;
b) espirais com maior área de
escape ;
c) superfícies de apoio (Radial Lands);
d) conicidade (Taper).
Essas alterações possibilitaram a confecção de instrumentos totalmente diferentes das limas tipo Kerr.
Assim, esses novos instrumentos devem receber outra denominação, pois não executam o movimento de limagem e, sim de alargamento.
Esses instrumentos, que apresentam grande conicidade, agem nas paredes do canal radicular em pequenas faixas(áreas de contato)e, este efeito possibilita a seguinte vantagem: redução da superfície de contato com aumento de eficiência da ação do instrumento. A concentração de forças ocorre sobre uma área menor de dentina radicular. Instrumentos de maior conicidade devem limitar-se às porções retas ou em curvaturas suaves. Os instrumentos de menor conicidade devem ser utilizados nas curvaturas mais acentuadas. Isto porque a flexibilidade é reduzida na proporção que aumenta-se o Taper.
Em vista do exposto, aconselha-se que antes de executar qualquer técnica rotatória, o profissional observe, no exame radiográfico, do dente a ser tratado, o seguinte:a) diâmetro anatômico do canal; b)angulação da raiz; c) direcionamento da curvatura.
Diâmetro anatômico- observar a relação existente entre o diâmetro anatômico do canal e a conicidade e diâmetro da ponta do instrumento. Exemplo: em um canal com diâmetro amplo utilize um instrumento de grande conicidade. Há uma relação entre o diâmetro da ponta do instrumento com o diâmetro anatômico do canal. Esta relação deve ser observada para facilitar o tratamento.
Angulação da Raiz: as raízes que apresentam angulações abruptas (FIG), são as mais difíceis e exigem a utilização do instrumento rotatório sem que seja ultrapassado seu limite de flexibilidade.
Instrumentos de grande conicidade possuem sua flexibilidade localizada somente próximo à ponta. Instrumentos "Orifice Shaper" não apresentam flexibilidade. Os instrumentos de menor conicidade (0,02; 0,03; 0,04) têm sua flexibilidade distribuída por toda sua extensão.
Direcionamento da curvatura: nos casos com angulações em forma de baioneta (dupla curvatura) ou curvaturas abruptas, os cuidados devem ser redobrados, uma vez que o "stress" e a fadiga causados sobre o instrumento são maiores, possibilitando maior incidência de fratura.
Com base nas informações sobre anatomia radicular observada por meio do exame radiográfico e as características de flexibilidade dos instrumentos, podemos prever o quanto cada instrumento irá atuar nas paredes do canal radicular. Exemplo: canais com curvaturas abruptas devem receber a seguinte atenção:
Até a curvatura: instrumentos de grande conicidade
a) avaliação do comprimento do dente;
b) determinar em milímetros, onde começa a curvatura;
c) colocar um "stop" de borracha no instrumento, que deverá atingir o início da curvatura;
d) irrigar, abundantemente, com NaOCL (hipoclorito de sódio) o canal radicular e acionar o aparelho eletromecânico de modo que a lima de Ni-Ti penetre até o comprimento pré-determinado.
A ultrapassagem desta medida previamente determinada poderá aumentar a incidência de fratura.
Na curvatura: instrumentos de pouca conicidade
Colocar o "stop" no instrumento Ni-Ti, de menor conicidade (maior flexibilidade) no comprimento de trabalho; b) acionar o aparelho eletromecânico, de modo que a lima Ni-Ti aja sobre as paredes dentinárias, suavizando a curvatura e preparando o canal até o comprimento de trabalho.
Irrigar copiosamente com solução de hipoclorito de sódio sempre entre as trocas de instrumento.
Preparo final do canal: instrumentos de conicidade intermediária
Após o preparo da região cervical, da curvatura e do canal, uma nova instrumentação deverá ser realizada, objetivando dar uma forma cônica contínua e suave, ou seja, sem degraus.
Este passo pode ser realizado com instrumentos de maior conicidade, pois a curvatura já foi suavizada.
Caso o instrumento ofereça resistência para atingir a porção apical, realize novo preparo cervical com instrumento de grande conicidade.
CAPELLI, A (2000) * Comunicação Pessoal.
Esta técnica possibilita a instrumentação de canais radiculares com curvatura até 40 graus e pode ser realizada de modo fácil, rápido e econômico porque utiliza poucos instrumentos, de modo alternado.
Descrição da Técnica "Quick Flaring"
Instrumentos: para executar essa técnica o profissional poderá usar as limas de Ni-Ti de várias procedências. É possível mesclar, para um mesmo caso clínico, instrumentos de vários fabricantes, optando pelo mais adequado para cada etapa do tratamento.
Motores Elétricos e contra-ângulos pneumo-mecânicos: Qualquer marca. Dê preferência para motores elétricos, que possibilitem o controle de velocidade. Esta Técnica sugere uso de 300 RPM.(rotações por minuto).
Técnica: Passos que devem ser seguidos para a execução da técnica "Quick Flaring":
1- PREPARO CERVICAL
- Estabeleça uma cirurgia de acesso à câmara pulpar, eliminando todos as possíveis retenções de modo a proporcionar um acesso direto às entradas dos canais radiculares.
- Irrigar com solução de hipoclorito de sódio ( use solução mais concentrada em casos de necrose pulpar).
- Explorar o orifício de entrada dos canais radiculares com um instrumento de aço-inoxidável ( lima manual número 10 ou 15 ).
- Irrigar a câmara pulpar.
- Colocar no contra-ângulo um instrumento de Ni-Ti de conicidade 0,06 com diâmetro da ponta (D0) de 25 ou 30.
-Regule o motor que será utilizado para 300 rpm.
- Verifique, com o instrumento ainda sem rotação, quanto ele penetra passivamente no interior do canal radicular. Anote esta medida.Com essa medida pode-se determinar quanto tempo o instrumento necessitará para atingir o início da curvatura, ou seja, preparar a porção mais reta do canal. A câmara pulpar deve estar inundada com solução irrigante durante esta etapa.
Uma vez estabelecido quanto o instrumento penetrou, tem-se uma noção de quantos milímetros é necessário o instrumento penetrar e, quanto tempo deve-se permanecer com ele dentro do canal radicular, uma vez que deve-se progredir em direção apical 1 milímetro a cada segundo.FIGURA (PECKING MOTION)
A seguir, acione o motor e, com movimentos suaves de vai e vem, como se estive dando pequenas bicadas com o instrumento, inicia-se a instrumentação, acompanhando o longo eixo do canal radicular. Não execute movimentos de báscula.
Observação: clic sobre a imagem inicial do filme para assistir.
Realize esta atividade até que o instrumento penetre nos milímetros previamente determinados na etapa anterior. Não permaneça com o instrumento dentro do canal por mais tempo que o necessário para atingir o comprimento anteriormente estabelecido.Girando a 300 rpm o instrumento realiza, a cada segundo, 5 voltas em torno do seu longo eixo.
Irrigue copiosamente com solução de hipoclorito de sódio.
Deve-se escolher um novo instrumento de Ni-Ti, que possua conicidade maior(0,08 ou 0,10) à anteriormente utilizada, ou seja 0,06. O D0 deve permanecer entre 25 a 30. Realize com este instrumento os mesmos passos utilizados com o instrumento de conicidade 0,06.
CLIC AQUI :VER O PREPARO DA CERVICAL
2-PREPARO DA CURVATURA
Esta etapa exige uma atenção especial, porque é a fase da instrumentação onde ocorrem os maiores índices de fratura.
Use em seguida, um instrumento de menor conicidade (maior flexibilidade) que os anteriormente utilizados para o preparo da porção cervical. Isto porque, o instrumento trabalhará sem as interferências cervicais e, vencerá mais facilmente a curvatura devido a sua flexibilidade.
Este instrumento deve ser usado dentro do canal até que seja sentida a percepção de ligeira resistência e, para progredir com o instrumento em direção apical, se faça necessário aplicar mais força.
NOTA: A força usada na instrumentação nunca deve ser maior que aquela utilizada para escrever com um lápis de ponta fina.
Irrigue copiosamente, aspire e inunde novamente o canal.
A seguir, realize um novo preparo cervical utilizando o último instrumento da fase do preparo cervical (conicidade 0,08 ou 0,10 ou 0,12). Aqui observa-se que esse instrumento, anteriormente já usado, irá penetrar mais do que penetrou. Assim, tem-se uma maior conicidade dessa porção do canal radicular.
Após novo alargamento da porção cervical, o canal receberá com maior facilidade e, sem resistência, o instrumento utilizado no preparo da curvatura.
Irrigue novamente o canal radicular.
CLIC AQUI: VER O PREPARO DA CURVATURA
3 - PREPARO FINAL DO CANAL RADICULAR
As etapas anteriores possibilitaram o preparo da porção cervical e da curvatura do canal radicular. Resta a última etapa, que será necessária para eliminar qualquer irregularidade e proporcionar uma conicidade contínua e uniforme ao canal radicular.
Selecione um instrumento de Ni-Ti de conicidade intermediária às previamente utilizadas e, realize a instrumentação até o comprimento de trabalho.
Caso este instrumento não chegue de maneira suave até o comprimento de trabalho, não force-o. Substitua-o por um de menor conicidade ou realize um novo preparo do terço cervical com instrumento de maior conicidade.
CLIC AQUI: VER PREPARO FINAL DO CANAL RADICULAR
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
INFORMAÇÕES IMPORTANTES QUE DEVEM SEMPRE SER OBSERVADAS:
a) ANÁLISE RADIOGRÁFICA CRITERIOSA.
b) CONHECIMENTO DO LIMITE DE FLEXIBILIDADE DOS INSTRUMENTOS.
c) CINEMÁTICA APLICADA AOS INSTRUMENTOS.
Quanto Maior a curvatura do canal, MAIOR o Taper do instrumento utilizado na porção cervical.
Quanto Maior a curvatura do canal, MENOR o Taper do instrumento utilizado na porção apical.
QUANTO MAIS COMPLEXA FOR A ANATOMIA DOS CANAIS RADICULARES, MAIOR SERÁ A QUANTIDADE DE INSTRUMENTOS UTILIZADOS, MAIOR DEVE SER O TAPER DO INSTRUMENTO UTILIZADO NA REGIÃO CERVICAL E MENOR O TAPER DO INSTRUMENTO UTILIZADO NA REGIÃO APICAL.
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