Simone H.M.Souza
Saúde bucal passa não somente por dentes livres de cárie, com gengiva saúdavel, tecidos sem câncer, mas por bocas bem desenvolvidas, capazes de exercer suas funções.
É comum profissionais engajados nesta filosofia de promoção de saúde identificarem em seus pacientes bocas livres de cárie, gengiva saudável e com má oclusão.
Sabemos que grande parte das más oclusões são decorrentes da falta de estímulos corretos de desenvolvimento, ou então, pela presença de estímulos que levam ao desenvolvimento patológico.
Considerando-se que há influência do meio no estabelecimento das má oclusões, que elas não ocorrem somente sob um comando genético, é possível, em grande parte dos casos, interferir no processo.
Os principais estímulos fisiológicos para correto desenvolvimento são:
respiração nasal: é um reflexo com o qual o bebê já nasce. A passagem de ar pelo nariz é estímulo para o crescimento tridimensional da cavidade nasal, cujo piso é o teto da cavidade bucal. Função de suma importância no correto desenvolvimento da maxila.
amamentação no seio: também um reflexo inato do bebê que, para conseguir o leite, realiza movimentos póstero-anteriores com sua mandíbula numa verdadeira "ordenha" e às custas de um grande esforço muscular. Esses movimentos vão gerar crescimento em comprimento da mandíbula (os músculos pteriogoideos laterais, que os executam, estimulam a zona bilaminar da ATM, que provoca aumento no número de mitoses na cartilagem condilar). Esse crescimento compensará o relacionamento mais retruído da mandíbula (em disto-oclusão) em relação `a maxila que o recém-nascido apresenta. O rebordo inferior vai "alcançando"o superior no sentido sagital, possibilitando toque entre os incisivos,quando de sua erupção. Além disso, toda a musculatura mastigatória vai ga-nhando tônus que, mais tarde, permitirá mastigação de alimentos duros e fibrosos, e o reflexo de respiração nasal fica mais reforçado, pois, para conseguir o leite, o bebê precisa fazer um selamento hermético da cavidade bucal (lábios contra seio).
mastigação : o reflexo da mastigação não é inato, é adquirido frente a aprendizado. Esse aprendizado se inicia quando há o toque entre os incisivos inferiores e superiores. A mandíbula, até então acostumada com liberdade de movimentos póstero-anteriores na "ordenha" do leite, encontra um obstáculo anterior e, na tentativa de transpô-lo, começa a deslizar para esquerda e para a direita, esboçando o movimento funcional correto da mastigação: látero-protrusivo. Com a repetição desses movimentos, os circuitos neurais da mastigação vão se maturando e se estabelece um padrão mastigatório normal com ciclos mastigatórios definidos, alternando lado de trabalho e balanceio. Isso vai descencadear um circuito de desenvolvimento no qual maxila e mandíbula vão se desenvolvendo simétrica e sincronicamente: como o movimento funcional da mastigação é látero-protrusivo, há participação do músculo pteriogoideo lateral, continuando, portanto, o estímulo de desenvolvimento da mandíbula que, por sua vez, se transmite à maxila através de esfregamento oclusal do lado de trabalho, promovendo seu crescimento tanto sagital (para frente) como transversal (para fora). O próprio relacionamento oclusal vai controlar a quantidade e a direção deste crescimento. Importante: para que a mastigação atue como estímulo de desenvolvimento, o tipo de dieta tem grande influência, pois somente alimentos duros, secos ou fibrosos solicitam movimentos mandibulares látero-protusivos; alimentos processados, moles, pastosos, não.
Com o tempo, vai ocorrendo um desgaste fisiológico da dentição: facetas de trabalho vão sendo gravadas nas superfícies dos dentes, modificando sua forma inicial, permitindo maior liberdade de movimentos mandibulares e, conseqüentemente, melhor desenvolvimento.
Uma boca aos seis anos já deve apresentar diastemas entre incisivos e mandíbula mais anteriorizada, permitindo que incisivos e primeiros molares permanentes erupcionem em posição que garanta e mantenha o equilíbrio oclusal.
Estímulos patológicos como: respiração bucal, mamadeira, hábitos de sucção, falta de mastigação ou mastigação unilateral etc, podem desencadear desenvolvimento patológico em função do biotipo da criança e do tempo de atuação desses estímulos.
Cabe a nós, orientação aos pais e profissionais, a fim de estimular o desenvolvimento normal de todo o sistema estomatognático, de preferência desde o nascimento.
Conhecendo-se o normal em cada fase, profissionais e pais podem monitorar o desenvolvimento, inclusive diagnosticando precocemente qualquer desvio, para intervenção precoce e com melhor prognóstico.
SIMONE H. M. SOUZA atua em odontopediatria e é professora assistente do curso extensivo de ortopedia funcional dos maxilares na SPO.