Técnica de McSpadden para a Obturação de Canais Radiculares
(Condensação termo-mecânica com o condensador de guta-percha)
Endodontics - Endodoncia
Mestre em Endodontia UNIFOR |
JESUS DJALMA PÉCORA Titular de Endodontia da FORP-USP |
Introdução:
O esmero do endodontista em todas as etapas do tratamento endodôntico, devido a interdependência entre os vários atos operatórios, é indiscutivelmente uma premissa para o sucesso na terapêutica radicular.
A obturação dos canais radiculares, entretanto, faz por merecer uma atenção especial, sendo considerada um reflexo da qualidade do tratamento imposto pelo profissional já que ela poderá ser tão boa quanto os procedimentos realizados anteriormente permitirem.
O objetivo da obturação é selar o canal radicular e seus canais acessórios, dentro do limite adequado e de maneira hermética, empregando materiais e técnicas que favoreçam um processo de reparo apical e periapical.
Através dos tempos, vários foram os materiais empregados com a finalidade de obturar os canais radiculares na busca de encontrar aquele que fosse o ideal, ou seja, aquele que oferecesse conjuntamente boas propriedades biológicas e físico-químicas.
A guta-percha, associada a um cimento obturador, tem sido considerada o material de escolha pela maioria dos endodontistas, sendo empregada em diferentes técnicas, as quais podemos dividir em três grupos: a)técnicas de obturação por condensação lateral e vertical da guta-percha; b)técnicas de obturação através da condensação termomecânica da guta-percha e c)técnicas de obturação por injeção de guta-percha termoplastificada.
A intenção deste trabalho é descrever uma das técnicas de condensação termomecânica da guta-percha, empregando o condensador introduzido por McSpadden em 1979.
Descrição e Princípio de Uso do Condensador de Guta-percha: |
O condensador de gutapercha é um instrumento de aço inoxidável com o mesmo desenho da lima Hedstrõem, porém com a rosca invertida.
São oferecidos com uma numeração que varia de 25 a 140 e comprimento de 25 mm. Acompanha o conjunto de condensadores uma régua milimetrada a ser utilizada na odontometria e no ajuste da profundidade de penetração dos condensadores. Esta régua também possui orifícios para calibração de instrumentos endodônticos e de cones de gutapercha.
Com o condensador girando como um parafuso reverso contra a guta-percha, esta se plastificará devido o calor produzido pelo atrito e irá se compactar tridimensionalmente dentro do canal radicular por ação da parte ativa do condensador.
Para desenvolver calor suficiente para plastificar a guta-percha, o condensador deve ser empregado com o auxílio de um contra-ângulo e motor de baixa velocidade e alto torque, capaz de desenvolver pelo menos 8000 rotações por minuto.
É essencial que o emprego do condensador seja feito com o motor de baixa rotação girando no sentido horário por motivos que serão expostos oportunamente.
O uso correto do condensador de guta-percha permite vários procedimentos:
Obturar termo-mecanicamente canais radiculares em segundos;
Obturar reabsorções internas, canais laterais, intercondutos;
Recondensar canais insatisfatoriamente obturados;
Auxiliar durante a cirurgia paraendodôntica quando se faz necessário uma obturação transoperatória.
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A técnica que descreveremos difere um pouco daquela inicialmente proposta pelo idealizador do condensador, que preconizava o emprego apenas do cone de guta-percha principal (com ou sem cimento) de número 1 ou 2 vezes maior que o do instrumento memória.
Desta forma, o cone travaria 1-2 mm aquém do C.R.T. e, quando termoplastificado pelo condensador de guta-percha, seria condensado de forma passiva (sem movimento de bombeamento) tridimensionalmente em toda a extensão do canal radicular.
Acreditamos que a associação do condensador de McSpadden com a técnica de condensação lateral convencional semelhante à proposta por Tagger em 1984 (técnica híbrida), que preconizava uma condensação lateral convencional associada à plastificação da guta-percha empregando um condensador denominado Engine Plugger (parte ativa com o formato de lima tipo K com a rosca invertida), produz uma obturação de canal radicular mais segura e de qualidade superior.
Descrição Seqüencial da Técnica.
(dos pré-requesitos à sua execussão):
B.) O acesso aos condutos deve ser o mais amplo e direto possível, sem debilitar a estrutura coronária do dente;
C.) Limpar e moldar o canal de maneira afunilada. As paredes do canal radicular e principalmente o batente apical devem estar adequadamente preparados de modo que o cone de guta-percha principal fique muito bem travado;
D.) Feita a radiografia do cone de guta-percha que melhor se adaptar ao batente apical, besuntar o mesmo com uma pequena quantidade de cimento e o levar em posição. Em casos de lesão periapical ocorre a presença de erosão apical com destruição de cemento, de forma que para evitar extravasamentos acidentais, recomenda-se fazer o arrolhamento apical com hidróxido de cálcio;
E.) A escolha do cimento endodôntico (com ou sem hidróxido de cálcio) vai depender da preferência do profissional e do tipo de canal a ser obturado (constricto ou amplo). Em canais constrictos ou quando percebemos a presença de canal lateral preferimos fazer uso de um cimento resinoso, que fluidifica junto com a gutapercha através do calor produzido pelo atrito gerado pelo condensador e se insinua com maior facilidade em áreas pouco acessíveis. É importante que se empregue apenas a quantidade necessária de cimento obturador;
F.) Com o auxílio de espaçadores digitais acrescentar alguns cones de guta-percha secundários em quantidade que irá variar de acordo com o calibre do canal radicular a ser obturado, de forma a ficar guta-percha suficiente para preencher todo o canal;
G.) Cortar (rente à coroa) os excessos dos cones de guta-percha, para que os mesmos não enrrosquem no condensador quando da obturação. Um outro fator que causa o deslisamento dos cones de guta-percha em torno do condensador diz respeito à marca comercial dos cones empregados. Cones produzidos com uma maior proporção de óxido de zinco são mais rígidos e lisos, acarretando uma dificuldade maior na plastificação da guta-percha;
H.) Fazer a seleção do condensador que na maioria dos casos deve ser de calibre um número ou dois superior em relação ao do cone de guta-percha principal. A seleção do calibre do condensador deve ser feita de acordo com o tipo de conduto a ser obturado;
I.) Estabelecida a profundidade de penetração do condensador, utilizar como referência cursores de silicone ou, para profissionais mais experimentados, as linhas calibradas do cabo do instrumento de forma a assegurar-se contra uma inserção excessivamente profunda;
J.) Verificar a direção de rotação do micro-motor com o auxílio de uma compressa de gaze apertada manualmente sobre a parte ativa do condensador. O sentido de rotação estará correto (sentido horário) se, após acionado o motor, a gaze for empurrada para frente e o condensador para trás. Caso a gaze enrrosque no condensador, o micro-motor estará girando no sentido anti-horário, devendo ter sua direção de rotação invertida;
K.) Introduzir o condensador no interior do canal radicular até encontrar resistência;
L.) O total preenchimento do canal radicular será obtido levando-se o instrumento em direção à apical até 1,5-2 mm de distância do C.R.T. em canais retos ou de pouca curvatura, com pequenos movimentos de bombeamento, mantendo o contanto entre o instrumento e os cones de gutapercha na embocadura dos canais radiculares. Nunca forçar o instrumento (condensador) além do seu limite apical de trabalho;
M.) Nunca resistir demasiadamente ao retrocesso do instrumento, permanescendo no interior do canal radicular no máximo por 10 segundos. Não se deve prolongar demasiadamente a permanência do condensador em rotação dentro do canal, evitando-se com isso tanto o aquecimento excessivo e consequente dano ao ligamento periodontal, quanto a aderência da guta-percha ao corpo do instrumento, causando falhas na obturação. O aquecimento demasiado da guta-percha também pode gerar uma excessiva retração da mesma depois de resfriada, ocasionando um selamento deficiente;
N.) A retirada do condensador de dentro do canal radicular deve ser feita com o mesmo ainda girando;
O.) Após a retirada do condensador, fazer rapidamente a condensação vertical da guta-percha plastificada com calcadores verticais de modo a se conseguir uma melhor adaptação desta no interior do canal radicular.
São três os tipos de canais que podem condicionar estas variações, a saber:
1. Canais Retos, amplos ou com instrumentação escalonada:
O canal deve estar alargado o suficiente de forma a possibilitar que o condensador penetre até pelo menos 3 a 4 milímetros antes de encontrar qualquer resistência.
Em um dente multi-radiculado, condensar inicialmente o canal que apresentar maior dificuldade.
O condensador deve ser usado em máxima rotação e em sentido horário. Após alguns segundos a guta-percha já se encontra plastificada o suficiente e a resistência oferecida é mínima. Então faz-se leve pressão em sentido apical até aproximadamente 2 mm aquém do CRT.
Depois de inserido o condensador até o nível desejado se tem a sensação do instrumento retroceder, quando então, sem oferecer resistência, retira-se o condensador lentamente do canal radicular em suaves movimentos de bombeamento. Não esquecer que o condensador sai do canal radicular girando.
Por fim faz-se a condensação vertical da guta-percha plastificada.
Insere-se o condensador selecionado, de número igual ou um número menor que o cone principal e faz-se suaves movimentos laterais de vestibular para lingual, evitando assim espaços vazios na obturação.
Estes movimentos devem ser executados com extrema delicadeza, evitando-se forçar o condensador de encontro às paredes do canal radicular, o que consiste na maior causa de acidentes envolvendo a fratura do instrumento no interior dos condutos.
Como o condensador realiza um movimento de desenroscar, não ocorrerá o travamento nas porções mais estreitas do canal.
O canal deve ser preparado em sua porção apical até o diâmetro 20 ou 25 e a aproximadamente 4 mm da porção apical do preparo o alargamento deve atingir o diâmetro da lima nº 45 ou 50, o que é conseguido com um bom escalonamento.
O cone de gutapercha principal, besuntado em cimento obturador, é levado ao interior do canal e adaptado à altura do CRT. Em seguida, fazemos a condensação lateral com espaciadores digitais. Após a colocação dos cones secundários, um condensador nº 30 ou 35 é introduzido até o mais próximo possível da porção apical, sem porém forçá-lo na curvatura. Deve-se permanecer a este nível de 7 a 10 segundos em rotação máxima, plastificando a gutapercha em toda a sua extensão.
Estando a gutapercha plastificada, retira-se o condensador do interior do canal em suaves movimentos de bombeamento. A porção mais apical, anteriormente obturada pela condensação lateral do material obturador não é plastifica, porém o restante do canal está devidamente selado com guta-percha plastificada e adaptada.
Possíveis Contratempos:
A) Fratura do Compactador
Todos os motivos de fratura de compactador acima citados são em decorrência do emprego inadequado do mesmo por parte do operador, podendo ser todos eles prevenidos e evitados.
Dentre os vários empregos imprórios do condensador de guta-percha, o que pode acarretar conseqüências mais desagradáveis é o seu uso em sentido anti-horário, pois deste modo, em vez de condensar a guta-percha no interior do canal, ele a expulsará e penetrará no canal como uma furadeira, com alta possibilidade de fratura do instrumento e/ou perfuração da raiz.
Para se prevenir o emprego do condensador no sentido anti-horário, deve-se previamente ao seu uso no interior do canal, fazê-lo girar evolvido por uma compressa de gaze. Se o micro-motor estiver girando em sentido horário, o instrumento realizará um movimento de desenroscar e expulsará a gaze. Se a gaze enrroscar no compactador é sinal de que está girando no sentido anti-horário, devendo ser invertido.
Quando empregado no sentido correto e portanto realizando movimento de desenroscar, o compactador não travará nas partes mais estreitas do canal radicular e, na possibilidade de uma fratura em decorrência de pressão indevida, normalmente o instrumento fraturado ficará envolto na guta-percha.
A remoção do condensador fraturado geralmente não apresenta dificuldades e na maioria das vezes pode ser feita com o auxílio de uma pinça. Quando o instrumento está fraturado e solto numa porção mais profunda do canal, podemos removê-lo com o auxílio de um outro compactador de maior calibre que, ao entrar girando, forçará o refluxo da guta-percha plastificada via abertura coronária, trazendo consigo o compactador fraturado.
Observadas falhas na obturação podemos replastificar a guta-percha, abrir espaços com um espaciador digital, aplicar mais um ou dois cones acessórios e empregar novamente o compactador.
Preferencialmente devemos fazer uso deste recurso em obturações recentes com o cimento ainda em estado plástico, proporcionando um melhor selamento, o que não seria conseguido com o cimento endurecido que se fragmentaria por cizalhamento.
Podemos corrigir esta falha usando um condensador de calibre adequado trabalhando em um espaço de tempo um pouco maior. Estando a guta-percha plastificada, poderemos fazer uso de espaciadores digitais, aplicar mais um ou dois cones de guta-percha acessórios e tornar a empregar o condensador.
Uma outra causa deste problema é o emprego de certas marcas de cones de guta-percha que, talvez pelo processo de fabricação empregar uma maior proporção de óxido de zinco, parecem ter uma camada externa "encerada", de aspecto brilhante. Tal guta-percha parece ter lisura maior e, em conseqüência, uma maior dificuldade no contato com o instrumento, dificultandosua plastificação.
Novamente faz-se importante a escolha da técnica de obturação mais segura para o caso, o respeito à profundidade de inserção pré-determinada, tomando como referência delimitadores de silicone ou as ranhuras do cabo do instrumento e a sensibilidade adequada por parte do profissional, adquirida através de treino em troquel ou em dentes na mão, para que controle adequadamente a pressão exercida durante o movimento de refluxo do condensador.