Carlos Estrela & Jesus Djalma Pécora
CONSIDERAÇÕES GERAIS DAS PASTAS DE HIDRÓXIDO DE CÁLCIO

A dinâmica observada entre a infecção do complexo dentino-pulpar e o desenvolvimento da periodontite apical, com consequente resposta do hospedeiro, estimularam avanços expressivos na busca de maiores conhecimentos da estrutura da microbiota endodôntica. Critérios significativos para isolamento e identificação de microrganismos, baseados em parâmetros morfológicos, nutricionais, culturais, metabólicos, antigênicos e genéticos (análise da sequência de DNA e RNA), possibilitaram definir a diversidade taxonômica dos microrganismos encontrados nas patologias pulpo-periodontais, contribuindo de forma decisiva para se estabelecer o tratamento.

A determinação dos tipos de microrganismos, presentes e predominantes nas infecções dos canais radiculares e tecidos periapicais, representa fator imprescindível à adoção de condutas destinadas ao controle microbiano e, consequentemente, estímulo ao reparo tecidual.

O conhecimento morfológico, estrutural e fisiológico dos microrganismos responsáveis por quadros álgicos e destruição dos tecidos periapicais inspiraram algumas tendências terapêuticas, porém diversificadas, marcando diferentes períodos históricos, em que abordagens empíricas foram confrontadas com estratégias cientificamente sedimentadas.

O processo evolutivo possibilitou um alicerce científico claro e preciso ao exercício da Endodontia, impondo métodos reprodutíveis, compostos por resultados esclarecedores às diferentes formas de pensamento, trocando opiniões científicas por  fatos científicos que, uma vez não confirmados, também enquadrariam num conjunto de ficções científicas ou, meramente no campo das  hipóteses improváveis. Os avanços conquistados e a confirmação pelo tempo mostram as tedências atuais para muitas mudanças de conceitos e afirmações.

O primeiro passo para o estabelecimento do tratamento endodôntico é o conhecimento da inter-relação entre microrganismos e hospedeiro, em conjunto com a dinâmica química e biológica da medicação intracanal.

A lesão cariosa progride lentamente através do esmalte e, rapidamente através dos túbulos dentinários, transformando-se em sítio retentivo, de baixo pH, que solubiliza os minerais da dentina e desnatura seu colágeno, selecionando microrganismos capazes de sobreviver e crescer em condições ácidas e  metabolizar o colágeno desnaturado. A partir da progressão da cárie, em direção à polpa dental, pode-se observar, inicialmente, a inflamação e, posteriormente, a mortificação pulpar. Os produtos oriundos da degradação pulpar, por diferentes e complexos mecanismos de agressão microbiana, paralelamente à reação do hospedeiro, dirigem-se do canal radicular para a região periapical, servindo como fonte de irritantes. O mecanismo de formação da lesão periapical está diretamente relacionado a produtos microbianos, celulares e extracelulares, produzindo resposta inflamatória e induzindo reação imunológica do tipo humoral e celular.

Como é do conhecimento endodôntico, as infecções, características dos canais radiculares e tecidos periapicais, são polimicrobianas, cujos componentes são dotados de acentuado potencial patogênico, predominando bactérias anaeróbias Gram- negativas.

Assim em nível do canal radicular e região periapical, observa-se a interação parasito-hospedeiro e responsável por diversas reações que potencializam a infecção; determina a inibição da quimiotaxia dos neutrófilos e fagocitose; garante a migração de enzimas lisossômicas; participa da resposta imunológica por ativação do sistema complemento (C 3 e C 5); induz a produção de anticorpos; e interfere com a sensibilidade antibiótica, resultando na permanência de lesões periapicais dolorosas
( DAHLÉN & HOFSTAD, 1977; SUNDQVIST, 1976; SUNDQVIST et al., 1979; SUNDQVIST & JOHANSSON, 1980; DAHLÉN & BERGENHOLTZ, 1980).

A neutralização de todas as formas de agressão microbiana no canal radicular e tecidos periapicais, imposta pelo estabelecimento de métodos de controle, possibilita a completa sanificação do sistema de túbulos dentinários.

Essa sanificação tem sido delegada à fase do preparo químico- mecânico do canal radicular. A obtenção da forma do canal radicular, a partir do esvaziamento, com a consequente neutralização do conteúdo séptico-tóxico, proporciona a eliminação de restos de matéria orgânica e de grande contingente de microrganismos. Todavia, foi demonstrado que a instrumentação isoladamente, não garante a sua completa remoção (BYSTROM & SUNDQVIST, 1981, 1983; BYSTROM et al., 1987; SYDNEY & ESTRELA, 1996).

O fator mais representativo no combate aos microrganismos não se restringe àqueles presentes na luz do canal  principal, mas, principalmente, aos residentes no interior dos túbulos e ramificações dentinárias. Deve-se considerar que a anatomia interna é extremamente complexa, muitas vezes inacessível à ação mecânica do instrumento endodôntico, o que impõe, nestas ocasiões, uma efetiva ação antimicrobiana e neutralizante, acompanhada pela dissolução tecidual, proporcionada pela substância química em associação com a medicação intracanal ( HOLLAND et al., 1979; HARRISON & MADONIA, 1971; HARRISON & HAND, 1981; AKPTA & BECHMAN, 1982; COSTA et al., 1986; PAIVA & ANTONIAZZI, 1988; SOUZA et al., 1992; PÉCORA et al., 1993; TANOMARU FILHO, 1996; ESTRELA et al., 1997).

   Por conseguinte, a medicação intracanal constitui indicação precisa em diferentes situações: manutenção do saneamento conquistado durante o preparo químico-mecânico, em condições de vitalidade pulpar; controle de microrganismos que resistiram à fase do preparo de canais infectados; controle de reabsorções radiculares; tratamento de lesões periapicais extensas; apicificações; e perfurações.

Todavia, é oportuno enfatizar que a presença de microrganismos pode não determinar o fracasso, mas sua ausência certamente contribui para o sucesso do tratamento do dente em questão.

A origem microbiana do processo endodôntico, infecção do canal radicular e formação da lesão periapical, estimulou a busca de avanços científicos e tecnológicos,  não apenas com a finalidade do estabelecimento do espectro microbiológico  mas, também, de buscar condutas aplicáveis para seu controle.  Por este motivo, o esclarecimento do mecanismo de ação de qualquer medicação antimicrobiana é fundamental antes de sua seleção, assim como a determinação da microbiota  presente nos canais infectados.

A história da fase medicamentosa da Endodontia reporta o emprego de inúmeros fármacos, cuja indicação e aplicação clínica foram adotadas com base em várias justificativas (ZERLOTTI, 1959; BEVILACQUA, 1974; MARTINS et al., 1979; HOLLAND et al., 1979; PAIVA & ANTONIAZZI, 1988; LEONARDO & LEAL, 1991; TRONSTAD, 1991).

Atualmente, o hidróxido de cálcio é a medicação mais empregada, discutida e estudada, e sua consagração foi observada a partir das provas das pesquisas e do tempo.

A ação do hidróxido de cálcio relacionada à dissociação iônica, em íons hidroxila e íons cálcio, e o efeito destes sobre os microrganismos e os tecidos, permitiram a ESTRELA et al. (1994) destacarem duas expressivas propriedades enzimáticas desta medicação: a primeira, constituindo na inibição de enzimas bacterianas, representando seu efeito antimicrobiano; e a segunda ativação das enzimas teciduais, como a fosfatase alcalina, representando seu efeito biológico mineralizador.

A tentativa de correlacionar a liberação de íons hidroxila do hidróxido de cálcio, medicação dotada de elevado pH, com sua influência frente à atividade enzimática dos microrganismos, favoreceram  ESTRELA et al. (1995) explicar o mecanismo de ação desta substância. Como as funções essenciais (metabolismo, crescimento e divisão celular) requerem a participação da membrana citoplasmática, sede de importantes sistemas enzimáticos, as alterações das atividades naturais dos microrganismos podem ser diretamente influenciadas pela liberação de íons hidroxila, capaz de alterar a integridade da membrana citoplasmática por meio de injúrias químicas aos componentes orgânicos e interferir no transporte de nutrientes; ou por meio da destruição de fosfolipídios ou ácidos graxos insaturados, conduzindo a reação de saponificação.

A capacidade de mudanças no pH dentinário, a partir de íons hidroxila do  hidróxido de cálcio, é lenta e depende de vários fatores que podem alterar a velocidade de dissociação e difusão iônica, como: hidrossolubilidade, ou não, do veículo empregado, diferença de viscosidade, característica ácido-base, permeabilidade dentinária, e grau de calcificação presente (ESTRELA et al., 1995; ESTRELA & PESCE, 1996).

Baseados na dificuldade de dissociação e difusão iônica do hidróxido de cálcio em alcalinizar rapidamente, e com valores elevados, a massa dentinária, e levando em consideração que o controle da atividade enzimática microbiana é dependente do elevado pH desta medicação, ESTRELA et al. (1994) levantaram a hipótese de que o hidróxido de cálcio poderia inativar enzimas microbianas de modo irreversível, em condições de elevado pH e por longos períodos de tempo; poderia, também, inativar enzimas  microbianas de modo reversível, quando do retorno do pH ideal à ação enzimática, havendo volta à sua atividade normal.

Essa hipótese ficou reforçada quando ESTRELA et al. (1997), estudando o efeito antimicrobiano indireto do hidróxido de cálcio em túbulos dentinários, artificialmente infectados, demonstraram que a quantidade de íons hidroxila, liberados do hidróxido de cálcio em 7 dias, foi insuficiente para inativar os microrganismos indicadores, provavelmente porque foram incapazes de alterar a integridade da membrana citoplasmática de vários microrganismos, induzindo uma inativação enzimática reversível. A inativação enzimática irreversível ocorreu sobre um “pool” de microrganismos, que foi inativado no período de 12 a 72 horas de contato direto com a suspensão experimental (ESTRELA et al., 1997).

Outrossim, é oportuno enfatizar que  independente às características morfo-tinto- respiratórias dos microrganismos,  a estrutura da membrana citoplasmática é comparável no mundo microbiano, ao contrário do que acontece na parede celular, que apresenta características químicas  e estruturas distintas, segundo a reatividade à coloração de Gram - a parede celular Gram-positiva, além do peptídioglicano, apresenta polímeros de ribitol fosfato (ácidos teicóicos) e polímeros de glicerol fosfato (ácido lipoteicóico), enquanto a parede Gram-negativa possui, externamente à extrutura básica, uma lipoproteína, a membrana externa e o lipopolissacarídio, dotado de potencial endotóxico.

Como o sítio de ação dos íons hidroxila do hidróxido de cálcio envolve as enzimas presentes na membrana citoplasmática, dependendo de sua quantidade, esta medicação deve possuir um amplo espectro de ação, agindo, portanto, sobre uma gama variada e diversa de microrganismos, independente de sua capacidade metabólica.

SAFAVI & NICHOLS (1993, 1994)  mostraram um efeito específico dos íons hidroxila nas bactérias Gram-negativas, os quais poderiam hidrolisar o lipopolissacarídio presente, degradando o lipídio A e, consequentemente, neutralizar seu efeito residual posterior à  lise celular.

O acréscimo de diferentes substâncias que atuam como veículo à pasta de hidróxido de cálcio, teve por objetivo  melhorar algumas de suas propriedades, como a ação antimicrobiana, a velocidade de dissociação iônica e propriedades físico-químicas, favorecendo as condições clínicas para seu emprego. Todavia, tem sido muito discutido qual a melhor opção no momento da seleção do veículo.

A partir das propriedades biológicas do hidróxido de cálcio, o seu emprego na prática clínica tem como referência sua eficácia antimicrobiana, associada à capacidade de favorecer o processo de reparação tecidual.
 

A preocupação em estudar a eficácia antimicrobiana de pastas de hidróxido de cálcio por ação em contato direto sobre os microrganismos, justifica-se como suporte a vários questionamentos ainda existentes no contexto da medicação intracanal. As várias opções de veículos utilizados com vistas a aumentar o efeito antimicrobiano do hidróxido de cálcio, devem ser investigadas, em primeira instância, quanto ao comportamento direto, para posteriormente, dentre os melhores, selecioná-los para análise indireta, verificando a  difusibilidade da medicação e a sua efetividade antimicrobiana no interior dos túbulos e ramificações dentinárias.
 

As características químicas dos veículos, quer seja hidrossolúvel ou oleoso, em conjunto com sua dissociação iônica e capacidade de difusão, podem ser consideradas propriedades tão, ou até mais importantes, do  que a ação antimicrobiana do veículo, uma vez que o hidróxido de cálcio isoladamente apresenta esta propriedade com possibilidade, em uma associação de não manifestar efeito sinérgico e, talvez, ação antagônica.

ESTRELA et al. (1997) estabeleceram parâmetros em relação ao tempo para que a pasta de hidróxido de cálcio por contato direto possa exercer efeito lesivo sobre os microrganismos, estudando diferentes períodos, de 1 minuto a 7 dias. Este tempo também foi investigado em outras pesquisas em que os períodos de estudo variaram de zero a 7 dias (FERREIRA et al., 1978; BYSTROM et al., 1985; SJOGREEN et al., 1991; GEORGOPOULOU et al., 1993; ESTRELA et al., 1997).

Os microrganismos que tem sido selecionados para experimentos, normalmente constituem-se daqueles presentes em canais radiculares infectados, com distintas características morfo-tinto-respiratórias (cocos e bastonetes; Gram positivos e negativos; aeróbios facultativos indiferentes e aeróbios facultativos verdadeiros; além de levedura), sendo estes constituídos por Streptococcus mutans (MEJARÉ, 1974; ROTHIER et al., 1983; BYSTROM et al., 1985; FERRAREZI & ITO, 1990; STUART et al., 1990; GENCIGLU & KULEKCI, 1992), Streptococcus faecalis (WINKLER, 1959; MEJARÉ, 1975; FERREIRA et al., 1978; HARRISON & HAND, 1981; ROTHIER et al., 1983; STEVENS & GROSMAN, 1983; BYSTROM et al., 1985; TRONSTAD et al., 1987; ALLARD et al., 1987; ORSTAVIK & HAAPASALO, 1990; SOUZA et al., 1992; ESTRELA et al., 1995, 1996, 1997), Staphylococcus aureus (ZERLOTTI, 1959; ROTHIER et al., 1983; FERRAREZI & ITO, 1990; ESTRELA et al., 1997), Pseudomonas aeruginosa (ROTHIER et al., 1983; TRONSTAD et al., 1987; RANTA et al., 1988; BARNETT et al., 1988; ORSTAVIK & HAAPASALO, 1990; FERRAREZI & ITO, 1990; ESTRELA et al., 1995, 1996, 1997), Bacillus subtilis (ROTHIER et al., 1983; BARBOSA & ALMEIDA, 1987; ESTRELA et al., 1997), Candida albicans (ZERLOTTI, 1959; ROTHIER et al., 1983;   BARBOSA & ALMEIDA, 1987; FERRAREZI & ITO, 1990; SOUZA et al., 1992; TRONSTAD et al., 1990).

Especificamente, entre os fatores relativos ao meio de cultura, pode-se salientar que os meios empregados suportam as exigências nutritivas de microrganismos exigentes, portanto são empregados para estas avaliações (MEJARÉ, 1974, 1975; BURNETT & SCHUSTER, 1982; STEVENS & GROSMAN, 1983; SLOTS & TAUBMAN, 1992; NISENGARD & NEWMAN, 1994; SIQUEIRA & UZEDA, 1996; ESTRELA et al., 1997).

As associações entre as espécies microbianas  presentes em canais radiculares infectados, em função das condições ecológicas - potencial Eh, disponibilidade de nutrientes, produção de bacteriocinas e fenômenos de agregação, em conjunto com a perda de defesa, após a necrose pulpar, que beneficia as interações e proporciona um ambiente favorável aos microrganismos, propicia as infecções mistas, polimicrobianas, predominantemente por microrganismos anaeróbios. As espécies anaeróbias predominantes são: Eubacterium, Peptococcus, Peptostreptococcus, Prevotela, Porphyromonas e Fusobacterium  (FABRICIUS et al., 1982; SLOTS & TAUBMAN, 1990; SUNDQVIST, 1992; NAIR, 1990, 1997).  Os microrganismos aeróbios facultativos tem sido evidenciados nas infecções endodônticas persistentes, sendo que além da viabilidade em meios com variações de oxigênio, alguns microrganismos resistem a pH elevado, como o Streptococcus faecalis e a Pseudomonas aeruginosa, que suportam pH em torno de 9,0 (FABRICIUS et al., 1982; HAAPASALO & ORSTAVIK, 1987; BARNETT et al., 1988; SAFAVI et al., 1990; TROSNTAD, 1991, 1992).

BYSTROM et al. (1985), a partir de métodos bacteriológicos, compararam o hidróxido de cálcio, paramonoclorofenol canforado e fenol canforado, no tratamento de canais radiculares infectados,  e demonstraram a superioridade do hidróxido de cálcio sobre o paramonoclorofenol canforado.

No entanto, alguns trabalhos relatam que o hidróxido de cálcio mostrou-se pouco efetivo sobre o Streptococcus faecalis (STEVENS & GROSSMAN, 1983; HAAPASALO & ORSTAVIK, 1987; SAFAVI et al., 1990; SIQUEIRA et al., 1996), enquanto  outros destacam sua eficácia, tanto para essa bactéria, como para a Pseudomonas aeruginosa (ALLARD et al.,1987; RANTA et al., 1988; SMITH et al., 1984; ESTRELA et al., 1995, 1997 ).

Em decorrência desses questionamentos alguns autores (FRANK, 1966; MARTINS et al., 1979; LEONARDO et al., 1991, 1993) sugerem o acréscimo do paramonoclorofenol canforado ao hidróxido de cálcio, no intuito de melhorar a ação sobre os microrganismos aeróbios, uma vez que se acreditava que o hidróxido de cálcio tinha efeito somente sobre os anaeróbios.

É oportuno lembrar que, a partir da tentativa de explicação do mecanismo antimicrobiano do hidróxido de cálcio, se observa, como alvo vulnerável às alterações de pH, as enzimas presentes na membrana citoplasmática, que podem ser levadas à inativação, reversível ou irreversível, quando considerados microrganismos anaeróbios e aeróbios. É claro que o efeito antimicrobiano depende da velocidade de liberação de íons  hidroxila,  do tempo de contato de ação direto ou indireto (difusibilidade destes íons hidroxila no interior dos túbulos dentinários), para que possam expressar seu real efeito controlador sobre os microrganismos (ESTRELA et al., 1994).

 Os veículos que vem sendo utilizados nas pastas de hidróxido de cálcio deveriam influenciar a velocidade de dissociação iônica favorecendo sua penetrabilidade e ou interagindo, potencializando seu reconhecido poder antimicrobiano. Entre as características químicas, os veículos apresentam-se como hidrossolúveis (aquosos - soro fisiológico, água destilada, solução anestésica; e viscosos - polietileno glicol, propileno glicol, metil celulose) e  não hidrossolúveis (oleosos - paramonoclorofenol canforado, óleo de oliva, lipiodol).

Um dos fatores polêmicos na escolha do veículo, que tem deixado dúvidas quanto a ação antimicrobiana do hidróxido de cálcio, talvez seja a associação com veículos hidrossolúveis (água destilada ou soro fisiológico), quando comparado ao paramonoclorofenol canforado (veículo oleoso).

No entanto, importa analisar algumas considerações acerca do paramonoclorofenol canforado. BIRAL et al. (1982), estudando comparativamente a atividade antimicrobiana do paramonoclorofenol canforado, da solução de iodeto de potássio iodetada a 2% e do formocresol, observaram que, nos testes de ação indireta, através de vapores, em condições clínicas simuladas, sobre algumas bactérias (entre elas o Streptococcus faecalis), o paramonoclorofenol canforado foi ineficaz, sendo sua atividade evidenciada apenas perante a Pseudomonas aeruginosa. O teste de difusibilidade pela dentina mostrou que o paramonoclorofenol canforado não registrou qualquer capacidade de penetração. Esses resultados estão coerentes com os obtidos por MIRANDA (1969), que relatou que o Streptococcus faecalis e outros microrganismos mostraram-se resistentes a agentes medicamentosos (antibióticos, detergentes e o paramonoclororfenol canforado). Outros trabalhos afirmam que o paramonoclorofenol canforado é ineficaz por ação indireta através de vapores, com ausência de ação à distância, atuando mais por contato  direto (KURODA, 1926; CWIKLA, 1972; VANTULOK & BROWN, 1972; SOUZA et al., 1978; BIRAL et al., 1982).

O paramonoclorofenol canforado é constituído por uma mistura líquida, oriunda da combinação do paramonoclorofenol com a cânfora, em partes variáveis, 25 a 35% de paramonoclorofenol e 65 a 75% de cânfora. O paramonoclorofenol apresenta-se sob a forma de cristais e possui odor fenólico característico. A cânfora é, quimicamente, uma cetona terpênica bicíclica, derivada do canfeno e obtida da canforeira, árvore da família das lauráceas. Apresenta-se sob a forma de cristais incolores ou massas cristalinas friáveis e translúcidas, untuosas ao tato; tem odor penetrante, característico, e sabor amargo; é uma substância aromática, muito pouco solúvel em água (1:800). Dessa forma, o paramonoclorofenol canforado, quando empregado em associação ao hidróxido de cálcio, funciona como veículo oleoso, em razão da cânfora ser considerada um óleo essencial e apresentar baixa solubilidade em água (LOPES et al., 1996). PUCCI (1942) acrescentou que a cânfora dissolvente que serve de veículo oleoso, neutraliza a ação irritante do paramonoclorofenol.

Como o paramonoclorofenol canforado apresenta características químicas oleosas, torna-se difícil imaginar que este medicamento  apresente com baixa tensão superficial,  o que favoreceria a capacidade de penetração nos túbulos e ramificações dentinárias, a não ser que apresentasse elevada ação volátil, fato este não demonstrado por alguns trabalhos (KURODA, 1926; CWIKLA, 1972; VANTULOK & BROWN, 1972; SOUZA et al., 1978; BIRAL et al., 1982).

HARRISON & MADONIA (1971), comparando a toxicidade de concentrações reduzidas de paramonoclorofenol aquoso com paramonoclorofenol canforado, concluíram que o aquoso provoca  resposta inflamatória bastante moderada, enquanto  o canforado é altamente tóxico, sendo  capaz de provocar necrose tecidual. Além deste fato, a penetração do aquoso é muito maior  que a do canforado. Outros trabalhos também confirmaram a toxicidade deste medicamento (HOLLAND et al., 1969, 1978; SPANGBERG et al., 1973, 1979; MARTINS et al., 1979;  FAGER & MESSER, 1986; SOEKANTO et al., 1996).

SOUZA et al. (1978) analisaram o emprego de medicamentos no interior dos canais radiculares sobre microrganismos presentes em canais radiculares infectados, quanto a ação tópica, e à distância de algumas preparações, entre as quais o tricresol formalina, o paramonoclorofenol canforado, o paramonoclorofenol associado ao Furacin? e o creosoto de faia. A análise dos resultados mostrou que o paramonoclorofenol canforado, o paramonoclorofenol associado ao Furacin? e o creosoto de faia foram eficazes por ação antimicrobiana apenas por contato.

A efetividade antimicrobiana frente a vários microrganismos encontrados em canais radiculares infectados foi demonstrada por ZERLOTTI (1959) com a associação de paramonoclorofenol  e Furacin? , na relação 10 g em 28 mL. HOLLAND et al. (1969, 1976, 1978) e SOUZA et al. (1978) estudaram as propriedades da metade da dose de paramonoclorofenol proposta por ZERLOTTI (1959). Os testes bacteriólogicos realizados em placas de Petri, demonstraram que o poder bactericida desta nova proporção foi ligeiramente menor, porém o halo de inibição do crescimento bacteriano ainda continuou superior ao produzido pelo paramonoclorofenol canforado.  Por outro lado, o poder de irritação, com a diminuição do paramonoclorofenol, foi sensivelmente reduzido, tanto nos testes em nível dos tecidos periapicais, quanto na conjuntiva de olho de coelho. Dessa maneira, os autores propõem a seguinte fórmula: 5 g de paramonoclorofenol para 28 mL de Furacin? Oto-solução. A nitrofurazona, princípio ativo do Furacin?, é um derivado dos nitrofuranos com atividade bactericida contra a maioria dos patógenos causadores de infecções superficiais, incluindo o Staphylococcus aureus, Streptococcus, Escherichia coli, Clostridium perfringens, Aerobacter aerogenes e Proteus, sendo  responsável por inibir um número de enzimas bacterianas, especialmente as envolvidas na degradação anaeróbia e aeróbia da glicose e no metabolismo do piruvato. Apesar do Furacin? inibir uma variedade de enzimas, ele não é considerado um inativador enzimático (ZERLOTTI, 1959).

Além do mais, HOLLAND (1994) verificou várias vantagens do Furacin? quando comparado à cânfora associado ao paramonoclorofenol, como  hidrossolubilidade, a menor irritabilidade, o maior poder bactericida e o maior poder de penetração.

Em testes de penetrabilidade em túbulos dentinários, BIRAL et al. (1982), demonstraram a superioridade do paramonoclorofenol associado ao furacin comparada à do paramonoclorofenol canforado, capaz de atuar por ação indireta e em profundidade de até 0,5 mm na dentina, inibindo o crescimento de S. aureus.

Ao comparar a ação antibacteriana da pasta aquosa de hidróxido de cálcio, paramonoclorofenol aquoso a 1% e mistura de ambos, por 48 e 72 horas, MARTINS et al. (1979), observaram sem significado estatístico, melhores respostas com a mistura pastosa de hidróxido de cálcio e paramonoclorofenol aquoso a 1%, seguidas da pasta de hidróxido de cálcio e por último do paramonoclorofenol aquoso a 1%.

Outro veículo que tem sido acrescido à pasta de hidróxido de cálcio é a Clorexedine a 1%, por ser uma substância antimicrobiana, atualmente de elevado uso clínico e baixa toxidade. Seu maior emprego está relacionado à  prevenção da placa dental, determinante envolvido na etiopatogenia da cárie e doença periodontal (ROLLA et al., 1971; YEUNG et al., 1983; ADDY & LANGERONDI, 1984; GREENSTEIN et al., 1986; VILLALPANDO  &  TOLEDO, 1997; ESTRELA, 1997).

O emprego, em Endodontia, da Clorexedine tem sido como substância irrigadora e como medicação intracanal (HELING et al., 1992; OHARA et al., 1993; SIQUEIRA & UZEDA, 1997; BARBOSA et al., 1997; ESTRELA, 1997).

A Clorexedine constitui-se de molécula catiônica que ao se unir a compostos aniônicos, como sulfatos livres, radicais fosfatos e carboxílicos da película e glicoproteínas salivares, promove redução na adsorção de proteínas à superfície dentária que é requerida para a formação da película adquirida. Em virtude de sua natureza altamente catiônica, apresenta elevada afinidade pela parede celular bacteriana, alterando as estruturas da superfície dessa parede. Consequentemente, o equilíbrio osmótico é perdido, a membrana citoplasmática fica extruída, havendo formação de vesículas e precipitação do citoplasma, com alteração no equilíbrio osmótico celular. Estas precipitações inibem o reparo da parede celular, fazendo com que as bactérias não se recuperem (ROLLA & MELSER, 1975; LINDHE,1992).

A escolha do veículo composto pela solução de  lauril sulfato de sódio a 3%, para ser associado a pasta de hidróxido de cálcio parte do referencial  de sua influência  no abaixamento da tensão superficial, o que poderia influenciar em sua difusão através da membrana da célula bacteriana, bem como no número de moléculas que entrariam em contato com esta membrana (ZERLOTTI, 1959). FEIRER & LEONARD (1927) reportaram que a diminuição da tensão superficial determina uma maior difusão do medicamento através da membrana celular das bactérias, aumentando, consequentemente, seu poder bactericida. Provavelmente, em decorrência destes fatores, BARBOSA & ALMEIDA (1987) sugeriram a associação de 20% de detergente (lauril-dietileno-glicol éter sulfato de sódio - Tergentol? com hidróxido de cálcio, como solução irrigadora para canais radiculares de dentes humanos. É oportuno lembrar que detergentes e sabões podem se apresentar com contaminação microbiana e são desprovidos de efeitos antimicrobianos (NAGEM FILHO & VIEIRA PINTO, 1978).

O emprego do Otosporin? , como veículo, deve-se ao fato de se conhecer o efeito antimicrobiano, por contato direto, da sua associação com o  hidróxido de cálcio, a partir do princípio que poderia ser benéfica a reunião dos efeitos antiinflamatório e antimicrobiano de seus componentes.

Frente a análise dos resultados obtidos por ESTRELA (1997), observa-se que o paramonoclorofenol - 5g associado a 28 mL de Furacin? , na fórmula proposta por HOLLAND  et al. (1978), mostrou inibir o crescimento de todos os microrganismos testados (S. mutans, S. faecalis, S. aureus, P. aeruginosa, B. subtilis, C. albicans), inclusive a mistura destes, atuando por contato direto em todos os intervalos de tempo (1 minuto, 48, 72 horas e 7 dias).

Embora valendo-se de outra metodologia e diferentes períodos de tempo, estes resultados estão de acordo com os resultados observados por SOUZA et al. (1978), que mostraram que esta medicação é dotada de eficaz ação antimicrobiana por contato direto. Está, também, de acordo com os resultados obtidos por ZERLOTTI (1959), quando demonstrou sua acentuada atividade antimicrobiana quando atuando sobre a microbiota de canais radiculares infectados.
O comportamento de várias pastas de hidróxido de cálcio sobre diferentes microrganismos foi estudado por ESTRELA (1997). A pasta de hidróxido de cálcio, acrescida de paramonoclorofenol com Furacin? demonstrou efetividade por contato direto em 1 minuto sobre os microrganismos S. mutans, S. aureus, P. aeruginosa, B. subtilis, C. albicans, e, em 48 horas sobre o S. faecalis e a mistura  microbiana. A pasta de hidróxido de cálcio contendo Flagyl? e soro fisiológico, mostrou-se efetiva por contato direto, controlando em 1 minuto somente o B. subitilis. Os microrganismos S. faecalis, S. aureus, C. albicans e a mistura destes foram inativados após 48 horas, enquanto o S. mutans e a P. aeruginosa após 72 horas de contato direto. Este grupo comparado aos demais, foi o que apresentou os resultados mais desanimadores. Em um ambiente contendo microbiota mista, como é a de um canal radicular infectado, não se justifica o emprego de medicação específica para anaeróbios, pois existem fatores contraditórios ao uso nestas circuntâncias, sendo estes constituidos por: desconhecimento da capacidade de difusão da medicação; sua eficácia em relação ao pH da pasta, que é elevado; sua ação específica para anaeróbios, sabendo-se das interações microbianas existentes; a possibilidade de desencadear resistência microbiana. Deve-se lembrar que a proporção de pó de hidróxido de cálcio neste grupo foi menor devido à proporção utilizada de Flagyl?. Assim, não se observam razões que suportem a indicação  para seu emprego, como medicação intracanal, nos canais radiculares infectados. A pasta de hidróxido de cálcio com solução de lauril sulfato de sódio a 3% demonstrou atividade antimicrobiana por contato direto em 1 minuto sobre o S. mutans, enquanto,  para os demais microrganismos, somente foi efetiva no segundo período de observação, 48 horas. A pasta, cujo veículo foi o soro fisiológico, mostrou-se efetiva sobre o S. mutans e a P. aeruginosa no tempo de 1 minuto,  sobre o S. faecalis, S. aureus, C. albicans e a mistura, após o segundo período de observação, 48 horas, e sobre o B. subtilis após o terceiro período de observação, 72 horas . O Calen? com paramonoclorofenol canforado por contato direto, em 1 minuto, demonstrou efetividade sobre o S. mutans e o S. faecalis, enquanto  o S. aureus,  P. aeruginosa, B. subitilis, C. albicans e a mistura, a atividade antimicrobiana foi observada somente após 48 horas. O hidróxido de cálcio, associado a solução de paramonoclorofenol a 1% demonstrou atividade antimicrobiana contra o S. mutans, B. subtilis e C. albicans em 1 minuto, enquanto,  para o S. faecalis, S. aureus, P. aeruginosa e a mistura, este potencial foi detectado após  48 horas de exposição. No grupo, cujo veículo foi a Clorexedine a 1%, o S. mutans, S. aureus, C. albicans e a mistura  foram inativados  em  1 minuto de contato direto com a pasta, e o S. faecalis, P.aeruginosa, B. subtilis, se mostraram mais resistentes, pois somente foram controlados após 48 horas de exposição. A associação do Otosporin? ao hidróxido de cálcio demonstrou efetividade antimicrobiana por contato direto em 1 minuto sobre o S. mutans, S. faecalis, S. aureus, P. aeruginosa, B. subtilis, e em 48 horas sobre a C. albicans e a mistura (ESTRELA, 1997).

Em face dos resultados encontrados, embora in vitro, mas podendo-se extrapolar para aferições in vivo, considerando os microrganismos indicadores estudados, questionamentos importantes, quanto ao veículo ideal para se associar à pasta de hidróxido de cálcio, e  ao tempo necessário para determinar efeito letal por contato direto, devem ser considerados a partir deste trabalho.

Ao se estabelecer um paralelo do efeito antimicrobiano do hidróxido de cálcio com o do  hipoclorito de sódio em função do tempo de contato direto, notou-se resultados interessantes.

HARRISON & HAND (1981) analisaram o efeito da diluição e da presença de matéria orgânica sobre a propriedade antibacteriana do hipoclorito de sódio a 0,5%, 1%, 2,5% e 5,25%. Segundo o protocolo, foram contaminados cones de papel absorvente com o S. faecalis e expostos em intervalos de tempo de 5, 10, 30, 45, 60 e 90 segundos e 2, 5 e 15 minutos nas concentrações de hipoclorito de sódio anteriormente referenciadas. Decorrido o período de exposição nas soluções, os cones de papel absorventes foram colocados em meio de cultura contendo caldo de soja e incubadas para avaliação da presença de crescimento bacteriano. Nessas condições  experimentais, o hipoclorito de sódio a 1% mostrou-se efetivo antimicrobiano sobre o S. faecalis em 5 minutos de contato direto, como mostra a Tabela  11. A presença de matéria orgânica reduziu o poder antibacteriano.

SOUZA et al. (1992) ,estudando a ação antimicrobiana por contato direto do hipoclorito de sódio a 0.5% e 1.0% , sobre o S. faecalis e a C. albicans, verificaram que a partir de 15 segundos o hipoclorito de sódio, nas concentrações referenciadas, mostraram-se  totalmente efetivos.

Observa-se, todavia, que durante o preparo químico-mecânico se estabelece expressiva redução dos microrganismos na luz do canal radicular, aumentado esta ação antimicrobiana  quando da utilização da medicação intracanal.

A importância da comparação de medicações intracanais, constituídas por pastas de hidróxido de cálcio associadas a diferentes veículos e por medicações intracanais sem hidróxido de cálcio, deve-se ao fato de ser assunto que não traduz consenso de seleção e uso geral, sendo extensivamente  polêmico. Toda tentativa para elucidar algumas dúvidas existentes é válida e possibilita contribuições, embora, também traga novas dúvidas e questionamentos. A busca de uma solução pode conduzir a muitas perguntas, algumas sem respostas para o momento.

O hidróxido de cálcio é uma excelente medicação intracanal, englobando duas propriedades enzimáticas essenciais, com efeitos antimicrobianos e biológicos. Em função do desconhecimento de seu provável mecanismo de ação, foram sugeridas algumas associações, constituídas por substâncias antimicrobianas, como forma de melhorar as propriedades que lhe são intrinsecas.

Como exemplo, pode-se referenciar o emprego do paramonoclororfenol canforado, veículo para a pasta de hidróxido de cálcio, proposto em diferentes trabalhos (FRANK, 1966; DIFIORE et al., 1983; OLETO & MELO, 1984/1985; MARTINS et al., 1979; LEONARDO et al., 1991, 1993; SIQUEIRA et al., 1996, 1997). A explicação para tal fato, teve como justificativa a maior efetividade da referida associação sobre os anaeróbios e aeróbios, relacionada, respectivamente ao papel biológico do hidróxido de cálcio e paramonoclorofenol canforado. E,  também, em decorrência de trabalhos que mostraram efeitos inibitórios melhores para o hidróxido de cálcio associado ao paramonoclorofenol canforado quando comparado ao soro fisiológico ou água destilada, analisado por meio de métodos de difusão em ágar, que talvez, não constitua no melhor método para estudo comparativo destas medicações.

O raciocínio deve caminhar em outro  sentido. No primeiro momento, ao se discutir medicação intracanal, deve-se conhecer o mecanismo de ação do que se pretende analisar como medicação. O hidróxido de cálcio atua contra todos os tipos respiratórios de microrganismos (aeróbios, microaerófilos e anaeróbios), inativando sistemas  enzimáticos presentes na  membrana citoplasmática, com a subsequente alteração de mecanismos biológicos dependentes da membrana, promovendo efeitos tóxicos e lesivos às células microbianas (ESTRELA et al., 1994, 1995). No entanto, para que o efeito seja letal torna-se necessário que a medicação tenha tempo hábil de ação para expressar sua efetividade antimicrobiana, e seja capaz de atuar à distância.

Por conseguinte, a tentativa de explicação do mecanismo de ação do   hidróxido de cálcio através de seu pH alcalino, no controle da atividade enzimática microbiana, possibilitou que ESTRELA et al. (1994) levantassem a hipótese de haver uma inativação enzimática bacteriana reversível e irreversível, dependendo justamente do tempo necessário para que este fármaco  inative os microrganismos. Esta hipótese foi estudada em dois experimentos. A inativação enzimática irreversível bacteriana foi demonstrada ao determinar o efeito antimicrobiano direto do hidróxido de cálcio sobre diferentes microrganismos, onde se verificou que o efeito letal ocorreu, em média, em torno de 72 horas (ESTRELA et al., 1997), enquanto a inativação enzimática reversível pode ser observada avaliando-se o efeito antimicrobiano indireto do hidróxido de cálcio em túbulos dentinários infectados por diferentes microrganismos, registrando a sua inefetividade no período de 7 dias (ESTRELA et al., 1997). Esses resultados sugerem que o contato direto permite inferir conclusões diferentes, porém somatórias, daquelas observadas pelo contato indireto. Para que a medicação intracanal seja eficaz dentro dos túbulos dentinários é imprescindível que a substância atue à distância e de modo prolongado. Assim, a penetrabilidade dentinária da pasta de hidróxido de cálcio e o período prolongado de ação, o destaca entre outras medicações intracanais.

Deve-se ressaltar que é importante avaliar medicações intracanais por metodologias diferentes, que permitam estabelecer parâmetros similares para a atuação destas substâncias antimicrobianas. ESTRELA et al. (1995) compararam o efeito antimicrobiano da pasta de hidróxido de cálcio associada ao soro fisiológico e pasta de hidróxido de cálcio associado ao paramonoclorofenol canforado, sobre  S. faecalis,  P. aeruginosa e  E. coli, em 24 e 48 horas, através de teste de difusão em ágar. Os resultados demonstraram que as duas medicações mostraram-se efetivas sobre as bactérias analisadas, tanto em 24 como 48 horas, sendo que o grupo do paramonoclorofenol canforado determinou um maior halo de inibição de crescimento bacteriano.

O que precisa ser realçado é que quanto maior a velocidade de dissociação  e difusão de íons hidroxila, maior o efeito antimicrobiano. Portanto, a escolha do modelo experimental também é fundamental em relação a essa variável, uma vez que ele pode influenciar na dinâmica da dissociação e difusão de íons hidroxila.

As críticas de que a pasta de hidróxido de cálcio associada ao soro fisiológico ou água destilada seja inefetiva contra microrganismos aeróbios facultativos (principalmente o S. faecalis e a P. aeruginosa), devem ser revistas. Necessita-se avaliar bem o tempo para que esta medicação possa demonstrar sua efetividade, e o método pelo qual tem sido comparado a outras pastas. Por exemplo, em testes de difusão em ágar, as respostas não são favoráveis quando se utiliza hidróxido de cálcio acrescido a veículo hidrossolúvel como o soro fisiológico ou a água destilada, dado à dificuldade e limitação de sua difusão na superfície do meio sólido.

DIFIORI et al. (1983), estudando o efeito antimicrobiano de pastas de hidróxido de cálcio empregadas em apicificação, relataram que o tamanho do halo de inibição  não reflete seu poder antimicrobiano, uma vez que este tamanho pode sofrer influência do tamanho da molécula da substância e de sua constante de difusão, podendo ou não difundir adequadadmente no meio de cultura utilizado.

Frente à análise de alguns trabalhos que utilizaram  métodos de difusão em ágar, mostrando que o hidróxido de cálcio associado ao paramonoclorofenol canforado promoveu maior halo de inibição  de crescimento microbiano que a pasta contendo soro fisiológico como veículo (ESTRELA et al., 1995), deve-se frizar que o diâmetro do halo de inibição pode não expressar com segurança o potencial antimicrobiano, como discutido neste trabalho. Em outra análise, ESTRELA et al. (1995), estudando a ação antibacteriana de três cimentos obturadores contendo hidróxido de cálcio (Apexit?, Sealapex? e Sealer 26?), cujo pH dos cimentos é superior a 10, não foi verificado, em nenhum dos microrganismos (S. faecalis, P. aeruginosa e E. coli) halos de inibição de crescimento, o que não significa dizer que os cimentos sejam destituídos de efeito antimicrobiano, mas pode significar a dificuldade de difusão de íons hidroxila. Porém, ao trocar o método utilizado, trabalhando em tubos de ensaio contendo caldo BHI, os resultados foram diferentes (ESTRELA et al., 1997).

O método de avaliação através de testes de difusão em ágar tem sua validade e é bastante utilizado em microbiologia, porém, parece não estabelecer parâmetros de confiabilidade  para se compararem determinadas substâncias, como as pastas de hidróxido de cálcio, com diferentes capacidades de difusibilidade no ágar. O  método não é  incorreto, o problema é que é menos preciso para este tipo de análise comparativa.

BARBOSA et al. (1997) avaliaram a atividade antibacteriana do hidróxido de cálcio,  paramonoclorofenol canforado e clorexedine como medicação intracanal, mediante estudo clínico e laboratorial. Os resultados laboratoriais, através de teste de difusão em ágar, mostraram que o hidróxido de cálcio foi totalmente inefetivo sobre os microrganismos analisados, que são comumente encontrados em canais radiculares infectados, enquanto as outras substâncias (paramonoclorofenol canforado e clorexedine) demonstraram os melhores resultados, respectivamente. Os resultados clínicos evidenciaram que, após 7 dias, 73,3% dos testes bacteriológicos foram de culturas negativas para o grupo do hidróxido de cálcio, 77,8% para a clorexedine e 69,2% para o paramonoclorofenol canforado.

Esta avaliação realça a necessidade de uma análise crítica quanto ao método experimental de avaliação, quando se compara susbtâncias que atuam por meio de difusibilidade.

Os resultados obtidos nesta pesquisa demonstraram que, por contato direto, a efetividade antimicrobiana do Calen? com PMCC e da pasta de hidróxido de cálcio associada ao soro fisiológico, praticamente, foi a mesma. A diferença verificada foi que a pasta de hidróxido de cálcio associada ao soro fisiológico eliminou, em 1 minuto de contato direto, a P. aeruginosa, e o Calen? com PMCC somente foi ativo em 48 horas, enquanto o Calen? com PMCC mostrou-se efetivo sobre o S. faecalis em 1 minuto, e a pasta de hidróxido de cálcio somente em 48 horas.

Os resultados encontrados por ESTRELA (1997), praticamente, foram semelhantes e estão de acordo com os obtidos por SOUZA et al. (1989), quando trataram dentes humanos com lesões periapicais e observaram que os tratamentos, efetuados com as pastas de hidróxido de cálcio e água destilada, e hidróxido de cálcio,  paramonoclorofenol canforado e glicerina, conduziram a resultados clínico-radiográficos similares.

Isto posto, deve-se admitir que, diante da lenta velocidade de dissociação iônica, demonstrada por veículos oleosos, como o paramonoclorofenol canforado, e a maior liberação de íons hidroxila, mostrada por  veículos  hidrossolúveis, como o soro fisiológico ou a água destilada, como medicação intracanal de rotina, por períodos superiores a 7 dias, a preferência recai na utilização de veículos hidrossolúveis.  Além do mais, por contato direto, os resultados entre os  veículos referênciados acima, mostraram-se poucas diferenças, sendo que a maior facilidade de eliminação de microrganismos no interior dos túbulos dentinários, é decorrente da maior velocidade de dissociação e difusão iônica, que ocorre nos veículos hidrossolúveis.

Respaldando essas conclusões é pertinente lembrar que, HOLLAND et al. (1993) avaliaram o efeito de curativos de demora hidrossolúveis e não hidrossolúveis no processo de reparo de dentes de cães com lesão periapical.  Os curativos de demora utilizados foram o hidróxido de cálcio associado ao soro fisiológico e o hidróxido de cálcio associado ao paramonoclorofenol  canforado (pasta de Frank). Decorridos seis meses da obturação dos canais radiculares, os autores observaram maiores índices de reparação quando do emprego do curativo de demora com a pasta aquosa contendo soro fisiológico.

Aliás, é necessário admitir que durante o preparo químico-mecânico, a instrumentação com irrigação-aspiração à base de hipoclorito de sódio, promove significativo controle dos microrganismos presentes nos canais radiculares infectados. SJOGREN et al. (1991) observaram que no período de 7 dias o emprego de medicação com pasta de hidróxido de cálcio eliminou microrganismos que sobreviveram por 10 minutos. SYDNEY & ESTRELA (1996) verificaram que o recurso exclusivo do preparo químico-mecânico, mesmo empregando-se o hipoclorito de sódio como substância irrigadora, não promoveu  eliminação completa dos microrganismos presentes em canais radiculares infectados de dentes humanos. SYDNEY (1996) notou, após 7 dias de permanencia da pasta de hidróxido de cálcio em canais radiculares infectados de dentes  humanos, redução de 77,8% de microrganismos  presentes. ESTRELA et al. (1997) destacaram que o fator determinante da atividade antimicrobiana da pasta de hidróxido de cálcio, no interior dos túbulos e ramificações dentinárias, é a quantidade liberada de íons hidroxila, como ocorre com os  veículos hidrossolúveis, e que, em 7 dias, os microrganismos permaneceram viáveis em túbulos  dentinários  infectados. BARBOSA et al. (1997) encontraram, em resultados clínicos,   73,3% de culturas negativas obtidas após testes bacteriológicos de amostras de canais infectados de dentes de humanos, após a permanência, por 7 dias, da  pasta de hidróxido de cálcio com soro fisiológico.
Outrossim, o tempo é fundamental para que a medicação intracanal possa exercer sua completa atividade, atuando à distância no interior dos túbulos dentinários e por período prolongado, não apenas com vistas a um efeito antimicrobiano, mas também frente à  necessidade de atuar contra reabsorções dentinárias radiculares.

Além do mais, o efeito prolongado favorece não unicamente a destruição dos microrganismos, mas, também, a neutralização do efeito residual do lipopolissacarídeo de bactérias Gram negativas destruídas, como demonstrado por SAFAVI & NICHOLLS (1993).

Um fato que chamou a atenção, entre os resultados obtidos por ESTRELA (1997), foi  a comparação do efeito dos veículos empregados nas pastas de hidróxido de cálcio, nos períodos experimentais (1 minuto, 48, 72 horas e 7 dias), a detecção de  ausência de aumento do poder antimicrobiano   que o hidróxido de cálcio já apresenta. No que diz respeito ao efeito biológico, a preferência recai em um veículo inerte e não agressivo aos tecidos periapicais, como o soro fisiológico, a água destilada  ou até, um veículo viscoso como o propileno glicol, vindo ao encontro ao discutido para a conquista do controle antimicrobiano.

Desta forma, ficou marcante entre os veículos, a importância das características químicas (hidrossolúvel ou oleoso) no que concerne ao poder antimicrobiano, por influenciar na velocidade de dissociação e difusão iônica.

Embora o veículo constituído pela solução de Lauril sulfato de sódio a 3%, um detergente que apresenta baixa tensão superficial, pudesse acelerar a efetividade antimicrobiana, influenciando a difusão do medicamento através de estruturas limítrofes, sua efetividade, comparada a outros veículos, como o soro fisiológico, não é significativa. A pasta com o detergente controlou em 1 minuto o S. mutans , enquanto a que continha o soro fisiológico, além deste inativou no mesmo período de tempo, a P. aeruginosa. Nos demais períodos os resultados foram iguais (ESTRELA, 1997).

Estes resultados denotam que a capacidade antimicrobiana presente na pasta de hidróxido de cálcio, decorrente da elevada liberação de íons hidroxila, o que está diretamente relacionada às  suas características químicas (dissociação iônica e difusibilidade), sendo o veículo um coadjuvante no processo antimicrobiano. É certo que quanto maior a liberação iônica, maior a rapidez de atuação. ESTRELA & PESCE (1996), estudando quimicamente pastas de hidróxido de cálcio com diferentes características ácido-base, não observaram resultados significativamente diferentes frente à liberação de íons hidroxila e íons cálcio, quando do emprego da solução anestésica (considerada como veículo de características  ácidas), comparada com o soro fisiológico (veículo neutro).

Importa considerar ainda que, para a pasta de hidróxido de cálcio desempenhar suas propriedades, é necessário que seja bem colocada no interior do canal radicular preparado, preenchendo-o completamente.

Com vistas à aplicação clínica em canais radiculares infectados com ou sem periodontite apical, em que a medicação intracanal irá permanecer por período inferior a 7 dias, nota-se que a solução de paramonoclorofenol - 5g  associados a 28 mL de Furacin?  (HOLLAND et al., 1978) mostra-se  como  a melhor opção, enquanto, naquelas situações, cuja medicação intracanal for mantida por mais de 7 dias, a melhor escolha recai na pasta de hidróxido de cálcio associada ao soro fisiológico.

Todavia, é importante a realização de novas pesquisas para se elucidar algumas dúvidas que ainda permanecem, entre estas, o período de tempo em que o paramonoclorofenol, associado ao Furacin?,  permanece em atuação na luz do canal radicular e interior dos túbulos e ramificações dentinárias, bem como o tempo ideal para que o hidróxido de cálcio associado ao soro fisiológico possa eliminar completamente os microrganismos presentes nestas áreas.

É oportuno salientar que a efetividade antimicrobiana conferida pela medicação intracanal,  proporciona aumento expressivo do índice de sucesso para o tratamento de dentes necrosados, com ou sem periodontite apical.

A presença de infecções extrarradiculares, de bactérias nos biofilmes apicais, demonstra a resistência bacteriana aos tratamentos endodônticos, possibilitando lesões endodônticas refratárias. O estabelecimento de biofilmes apicais, denotando a presença e a  interação entre  microrganismos de elevada virulência, resistentes à terapia antimicrobiana, em conjunto com situações de pacientes com baixa resistência orgânica, influencia negativamente no prognóstico favorável do tratamento endodôntico (TRONSTAD  et al., 1987, 1990; ANWAR et al., 1990, 1992).

A partir do momento que o raciocínio sinaliza para a definição da efetividade antimicrobiana do hidróxido de cálcio, o veículo assume um papel de coadjuvante neste processo, conferindo-lhe características químicas  (dissociação, difusibilidade e preenchimento) decisivas ao potencial antimicrobiano e capacidade de reparação tecidual.

WebMasters: Jesus Djalma Pécora e Danilo M. Z. Guerisoli.
Copyright 17 de outubro de 1997.

Esta página foi elaborada com apoio do Programa Incentivo à Produção de Material Didático do SIAE - Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação da USP.
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