Análise de algumas propriedades físico-químicas das águas sanitárias encontradas no mercado brasileiro

Melissa Andréia Marchesan
Bolsista de Iniciação Científica do CNPq, Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Rusiel Amaro de Souza
Bolsista Trabalho, Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Danilo M. Zanello Guerisoli
C.D., Bolsista Aperfeiçoamento CNPq, Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Reginaldo Santana da Silva
Técnico do Laboratório de Endodontia, Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Jesus Djalma Pécora
Professor Titular da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e Assessor de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade de Ribeirão Preto

Sinopse

O hipoclorito de sódio é mundialmente utilizado como solução irrigante em procedimentos endodônticos, porém em algumas localidades é difícil a aquisição desta solução em dentais ou farmácias de manipulação. Os autores propõem o uso de água sanitária diluída na irrigação dos canais radiculares, como ocorre nos EUA e Europa. Para tanto, fazem uma análise de algumas propriedades físico-químicas destes produtos (pH, concentração de cloro ativo e condutividade), propondo um fator de diluição a ser usado no consultório.

Introdução

 O uso do hipoclorito de sódio (NaClO) como desinfetante tem origem no fim do século XVIII com a água de Javelle, uma solução à base de hipocloritos de sódio e potássio (10). O uso deste anti-séptico na Medicina foi difundido por DAKIN (4), que utilizava uma solução de hipoclorito de sódio a 0,5% com pH próximo ao neutro.
No Brasil, muitas vezes o cirurgião dentista não tem acesso à dentais ou farmácias de manipulação para adquirir as soluções irrigantes à base de hipoclorito de sódio. Por este motivo, a água sanitária apresenta-se como um substituto de fácil obtenção.
 O objetivo deste trabalho é analisar algumas marcas comerciais de água sanitária, estabelecendo os valores de pH, condutividade, teor de cloro encontrado e o fator de diluição para uma concentração de 1,0%, de modo que os cirurgiões dentistas possam utilizar esta fonte alternativa de hipoclorito de sódio em seus consultórios de forma segura e eficiente.

Revista da Literatura

BARRET (1) foi um dos pioneiros a utilizar o líquido de Dakin na irrigação endodôntica, e devido às suas propriedades como bactericida, desodorizante, lubrificante e solvente de tecidos, foi prontamente aceito como solução irrigante de canais radiculares por dentistas do mundo todo (2, 5, 6, 8, 12, 14). Apesar de algumas variações na fórmula terem sido propostas ao longo do tempo, principalmente no que diz respeito à concentração de hipoclorito de sódio presente na solução, o princípio ativo é sempre o mesmo.
 Em alguns países, com especial destaque para os Estados Unidos, o emprego de alvejantes como fonte de hipoclorito de sódio para irrigação endodôntica é amplamente difundido e utilizado entre os cirurgiões dentistas, sendo o Clorox®, com concentração de cloro ativo igual a 5,25%, a marca mais conhecida (7, 11, 13). Alguns dentistas preferem usar esta solução diluída, visando diminuir o potencial irritante deste produto (3).

Materiais e métodos

Foram adquiridas no comércio 11 marcas comerciais de alvejantes à base de hipoclorito de sódio, tendo-se o cuidado de selecionar 3 amostras de lotes ou datas de fabricação diferentes de cada marca. A Tabela 1 apresenta a relação das marcas estudadas, o local de fabricação, sua composição e as características da embalagem.
 O pH das amostras foi aferido com um pHmetro digital (Digimed DMPH-2), a condutividade foi medida através de um condutivímetro digital (Analion C-701) e o teor de cloro ativo de cada amostra foi determinado através da titulometria (método da iodometria).

Tabela 1: Relação das marcas comerciais de alvejante estudadas, com o local de fabricação, composição e características da embalagem.
 
 

Marca comercial
Local de fabricação
Composição
Embalagem
Ajax
São Paulo - SP
NaClO, H2O e alcalinizante
Branca
Brilhante
Indaiatuba - SP
NaClO, Na2SO3, NaOH e H2O
Branca
Cândida
Osasco - SP
NaClO, NaCl, NaOH e H2O
Branca
Candura
Piracicaba - SP
NaClO, NaCO3 e H2O
Branca
Clorisol
Porto Alegre - SP
NaClO, NaCl, NaOH e H2O
Branca
Daclor
Embú - SP
NaClO, NaCl, NaOH e H2O
Branca
Dona Clara
Santo André - SP
NaClO e H2O
Transparente
Floky
Embú - SP
NaClO, NaCl, NaOH e H2O
Branca
Q-Boa
Osasco - SP
NaClO, NaCl, NaOH e H2O
Verde escura
Roupalin
Ribeirão Preto - SP
NaClO, NaCl, NaOH e H2O
Branca
Super Globo
Ribeirão Preto - SP
NaClO, NaCl, NaOH e H2O
Verde escura
OBS: Todas as embalagens são de material plástico.

Resultados

Após a aquisição das amostras de água sanitária, estas eram submetidas aos testes de pH, condutividade e tinham seu teor de cloro ativo determinado pela titulação, método da iodometria. As médias dos resultados obtidos podem ser observados na Tabela 2.
 Esta tabela também exibe um fator de diluição, que foi determinado experimentalmente de modo a atingir a concentração de 1,0% de cloro ativo. No consultório, esta concentração pode ser facilmente conseguida misturando-se cinco partes de água sanitária à duas partes de água.

Tabela 2: Resultados do teste de pH, condutividade, teor de cloro ativo e fator de diluição das amosttras de água sanitária testadas.
 

Marca
pH
Condutividade (mS)
Teor de cloro (%)
Fator de diluição
Ajax
13,35
108,63
2,74
 
Brilhante
13,44
108,57
2,73
 
Cândida
12,61
77,17
2,66
 
Candura
12,63
72,30
2,95
 
Clorisol
12,89
67,90
2,54
 
Daclor
12,92
87,80
2,80
0,68:1
Dona Clara
12,68
73,80
2,87
 
Floky
12,91
96,60
2,53
 
Q-Boa
12,65
74,50
2,55
 
Roupalin
12,52
74,43
2,75
 
Super Globo
12,56
74,60
2,81
 

Discussão

A análise das marcas comerciais de água sanitária testadas evidenciou altos valores de pH das soluções. Este fato é devido à natureza básica do hipoclorito de sódio e à adição de alcalinizantes ao produto pela indústria, com o intuito de prolongar o tempo de validade.
 Os valores de condutividade mostram o grau de dissociação iônica presente nas soluções testadas, que é diretamente proporcional à quantidade de íons livres no meio.
 Nenhuma amostra apresentou teor de cloro abaixo do especificado no rótulo. Este fato garante que no preparo de soluções diluídas de hipoclorito de sódio seja sempre alcançada a concentração de cloro ativo desejada. Independentemente da marca comercial, a diluição da água sanitária para uma concentração de 1,0% pode ser feita facilmente no consultório adicionando-se 5 partes do produto à 2 partes de água. Recomenda-se filtrar o produto com um chumaço de algodão para eliminar possíveis impurezas. Cumpre informar que águas sanitárias perfumadas não devem ser utilizadas por apresentarem aromatizantes.
 O uso de água sanitária, pura ou diluída, na irrigação endodôntica é comum em países da Europa e nos Estados Unidos. A vantagem do uso de alvejantes domésticos na irrigação endodôntica não se restringe apenas ao menor custo deste em relação às soluções adquiridas nas casas de produtos odontológicos; sua aquisição é mais fácil em locais distantes dos grandes centros.
 Deste modo, o dentista tem a oportunidade de preparar sua solução irrigante a partir de água sanitária, com a segurança de que ela sempre vai estar com teor de cloro compatível com o esperado, visto que estas soluções perdem rapidamente o teor de cloro ativo (9).

Conclusões

Com base na metodologia empregada e nos resultados obtidos, é lícito concluir que:
  1. As marcas de água sanitária avaliadas neste trabalho apresentam teor de cloro não inferior ao descrito na embalagem, variando de 2,53% a 2,95%.
  2. Sob o ponto de vista físico-químico, é viável o uso da água sanitária como fonte de hipoclorito de sódio para irrigação endodôntica.

Abstract

Sodium hypochlorite is used worldwide as an endodontic irrigating solution; however in some places it is difficult to obtain this solution in dental stores or pharmacies. The authors suggest the use of house bleaching agent as a source of sodium hypochlorite in order to irrigate root canals, as already used in USA and Europe. Some physicochemical properties (pH, concentration of chlorine and conductivity) were analyzed and a dilution factor is presented for using the solution at the dental practice.

Referências Bibliográficas

1. BARRET MT: The Dakin-Carrel antiseptic solution. Dental Cosmos. USA v. 59, n. 04, p. 446-448, apr., 1917.

2. BAUMGARTNER, J.C. & CUENIN, P.R. Efficacy of several concentrations of sodium hypochlorite for root canal irrigation. Journal of Endodontics. USA, v. 18, n. 12, p. 605-612, dec., 1992.

3. COHEN, S & BURNS, R.C. Pathways of the pulp. St. Louis, Ed. Mosby, Sixth Edition, 1994.

4. DAKIN, H.D. On the use of certain antiseptic substances in treatment of infected wounds. British Medical Journal. UK, v. 2, p. 318-20, 1915.

5. GROSSMAN, L.I. & MEIMAN, B.W. Solution of pulp tissue by chemical agents. Journal of the American Dental Association. USA, v. 28, n.2, p. 223-225, feb., 1941.

6. JEANSONNE M.J. & WHITE R.R. A comparison of 2.0% chlorhexidine gluconate and 5.25% sodium hypochlorite as antimicrobial endodontic irrigants. Journal of  Endodontics. USA. v. 20, n. 6, p. 276-278, jun., 1994.

7. JOHNSON, B.R. & REMEIKIS, N.A. Effective shelf-life of prepared sodium hypochlorite solution. Journal of Endodontics. USA. v. 19, n. 11, p. 40-43, jan. 1993.

8. OHARA P. et al. Antibacterial effects of various endodontic irrigants on selected anaerobic bacteria. Endodontic Dental Traumatology. Denmark. 1993 Jun, 9:3, 95-100.

9. PÉCORA, J.D. et al. Shelf-life of 5% sodium hypochlorite solutions. Brazilian Endodontic Journal. GO. v. 2., n. 1, p. 43-45.

10. PUCCI, F.M. Conductos radiculares. Buenos Aires, Ed. Med. Quirurgica. 1945. n.2, p. 344-69.

11. ROSENFELD, E.F. et al. Vital pulp tissue response to sodium hypochlorite. Journal of Endodontics. USA. V. 4, n. 5, p. 140-146, may, 1978.

12. SHIH M. et al. The bactericidal efficiency of sodium hypochlorite as an endodontc irrigant. Oral Surgery, Oral Medicine, Oral Pathology. USA. V. 29, n. 4, p. 613-619, apr., 1970.

13. TREPAGNIER, C.M. et al. Quantitative study of sodium hypochlorite as an in vitro endodontic irrigant. Journal of Endodontics. V. 3, n. 5, p. 194-196, may, 1977.

14. TÜRKÜN M & CENGIZ T. The effects of sodium hypochlorite and calcium hydroxide on tissue dissolution and root canal cleanliness. International Endodontics Journal. V. 30, n. 5, p. 335-342, sep., 1997.