I. Introdução
Em todos os segmentos da ciência impressionam sobremaneira os avanços do conhecimento ao longo do tempo e notadamente nas últimas décadas. Em que pese este fato, no caso específico da Endodontia, ainda permanece um desafio, entre outros, colocado aos seus pesquisadores: a busca da solução irrigante ideal.
Não se trata, absolutamente, de desconhecer a inegável evolução dos métodos de tratamento endodôntico desde os seus primórdios e muito menos o mérito de seus estudiosos. O fato é que o somatório de todas as contribuições dos seus pesquisadores desemboca numa Endodontia ainda amparada pela tríade: preparo químico-mecânico, controle microbiano e obturação dos canais radiculares.
Vale ressaltar que um dos principais objetivos do tratamento endodôntico consiste na completa descontaminação do conteúdo correspondente ao sistema de canais radiculares, realizada através de uma série de etapas, dentre as quais se destacam a instrumentação e o uso de soluções irrigantes adequadas durante o processo de limpeza dos canais radiculares. As soluções auxiliares da instrumentação devem apresentar-se como antimicrobianas, solventes de tecido orgânico e inorgânico, biocompatível aos tecidos, além da capacidade de limpeza e de mudar o pH do meio facilitando assim, a ação dos instrumentos endodônticos (PÉCORA et al., 1999). Exatamente neste ponto reside o desafio colocado aos pesquisadores: como conseguir a solução irrigante ideal, que reúna ao mesmo tempo todas estas características?
Estudos e pesquisas vêm se sucedendo há cerca de um século na perseguição deste objetivo e o fato é que até os dias atuais o problema permanece. Assim, alternativas de soluções auxiliares na limpeza dos canais continuam sendo analisadas com o intuito de destacar as suas vantagens e desvantagens, e o seu comportamento no interior dos canais radiculares.
A importância da utilização de substâncias químicas, durante o preparo dos canais radiculares, data do início da Endodontia quando DAKIN, em 1915, propôs o uso do hipoclorito de sódio a 0,5% de cloro ativo e neutralizado com ácido bórico, como solução de baixa toxicidade, para irrigação dos canais radiculares. Desde então, o hipoclorito de sódio tem sido a solução irrigante mais utilizada em Endodontia, em diferentes concentrações, associado ou não a outras substâncias ou cremes. Uma característica extremamente importante neste irrigante refere-se à sua propriedade de dissolução tecidual.
Para a instrumentação de canais atresiados, ØSTBY (1957) propôs a utilização de uma solução de ácido etilenodiaminotetracético sal dissódico (EDTA), capaz de promover a quelação de íons cálcio presentes na dentina radicular. A adição do tensoativo Cetavlon a este agente quelante passou a ser conhecida como EDTAC (ØSTBY, 1957; FEHR & ØSTBY, 1963), que possui menor tensão superficial em comparação ao EDTA, além de maior eficiência e uma rápida atuação no interior dos canais radiculares (GUIMARÃES et al., 1988).
Por sua vez, o uso de substâncias cremosas para instrumentação endodôntica teve início com a associação do peróxido de uréia com a glicerina anidra (BLECHMAN & COHEN, 1951).
O creme RC-Prep é uma associação do EDTA, peróxido de uréia e carbowax que adicionado ao hipoclorito de sódio a 5% promove uma reação química com liberação de oxigênio nascente no interior dos canais radiculares (STEWART et al., 1969). Com a substituição do EDTA pelo Tween 80, e utilizando o hipoclorito de sódio a 0,5% tem-se uma reação mais lenta na produção do oxigênio nascente (PAIVA & ANTONIAZZI, 1973).
Uma nova alternativa que vem sendo bastante utilizada nos dias atuais é representada pelo gluconato de clorexidina, que tem se mostrado como um agente antimicrobiano seguro e efetivo no interior dos canais radiculares (DELANY et al., 1982; CERVONE et al., 1990; JEANSONNE & WHITE, 1994; BARBOSA et al., 1997; KURUVILLA & KAMATH, 1998; LENET et al., 2000; KOMOROWSKI et al., 2000), com potencial para ser utilizado como medicamento intracanal (DELANY et al., 1982; KOMOROWSKI et al., 2000). Mostra-se relativamente atóxico aos tecidos periapicais (JEANSONNE & WHITE, 1994; KURUVILLA & KAMATH, 1998), podendo ser um substituto em pacientes alérgicos ao hipoclorito de sódio (BECKING, 1991; JEANSONNE & WHITE 1994).
Resíduos do gel de clorexidina podem permanecer nas paredes dos canais radiculares e esta característica tem sido relacionada com sua substantividade antimicrobiana (LENET et al., 2000).
O detergente derivado do óleo de mamona a 3,3% apresenta atividade antimicrobiana similar ao hipoclorito de sódio a 0,5% quando utilizado na irrigação de canais radiculares necróticos (FERREIRA et al., 1999). Pode ser usado como antisséptico ou desinfectante, pois apresenta atividade antimicrobiana contra gram positivos e levedura (ITO et al., 1999) e não é citotóxico (MANTESSO et al., 1999). Também conhecido com ENDOQUIL, esse detergente possui ação semelhante ao hipoclorito de sódio a 0,5% e gel de papaína a 0,4% sobre a diminuição da permeabilidade dentinária radicular (PÉCORA et al., 2000).
O gel de mamona, ainda pouco explorado em Endodontia, tem composição similar ao detergente (ENDOQUIL), diferenciando apenas na forma de apresentação.
A capacidade de remover detritos no interior dos canais radiculares utilizando as substâncias, gel de clorexidina a 2% e gel de mamona, como auxiliares na instrumentação endodôntica, ainda foi pouco estudada abrindo caminhos para novas pesquisas.