EFICÁCIA DOS ÓLEOS ESSENCIAIS NA DESOBTURAÇÃO DOS CANAIS RADICULARES

ROBRAC - Rev. Odontol. Brasil Central, 5(14): 25-28, março, 1995.

Júlio César Emboava SPANÓ; Eduardo Luiz BARBIN; Alexandre BONINI; Jesus Djalma PÉCORA

SUMMARY

The solvent capacity of the essential oils Eucaliptol, Turpentine, Orange Oil and their respective associations was studied using chloroform as control, aiming to substitute the toxic solvents for essential oils in the desobturation of root canals. A device named "Penetrômetro PVBS" was used. The gutta-percha solvents can be categorized in decreasing order of efficiency: 1st - Chloroform and the association Orange Oil + Turpentine; 2nd - Orange Oil and the association Orange Oil + Turpentine; 3rd - Orange Oil + Eucaliptol; 4th - Turpentine and the association Turpentine + Eucaliptol; and 5th - Eucaliptol.

Uniterms: gutta-percha solvents, essential oils.

SINOPSE

Estudou-se a capacidade solvente dos óleos essenciais Eucaliptol, Turpentina, Óleo de laranja e suas respectivas associações sobre a guta-percha, utilizando-se o clorofórmio como controle, objetivando substituir os solventes tóxicos por óleos essenciais na desobturação dos canais radiculares. Para tanto utilizou-se de um aparelho denominado Penetrômetro PVBS. Pôde-se ordenar os solventes de guta-percha, do mais eficiente para o menos eficiente: 1° Clorofórmio e a associação Óleo de laranja+Turpentina, 2° Óleo de laranja e a associação Óleo de laranja+Turpentina, 3° Óleo de laranja+Eucaliptol, 4° Turpentina e a associação Turpentina+Eucaliptol e 5° Eucaliptol.

Unitermos: solventes de guta-percha, óleos essenciais,

INTRODUÇÃO

Não obstante aos avanços técnicos da Endodontia, os endodontistas, muitas vezes, deparam-se com insucessos que demandam o retratamento do canal radicular.

Para realização do novo tratamento endodôntico, faz-se necessário remover a obturação antiga, fato que exige o uso de solventes químicos para amolecer os cones de guta-percha, uma vez que a maioria das técnicas de obturação de canais radiculares utilizam-se de cones de guta-percha e um cimento obturador.

Durante este século muitas propostas foram feitas na tentativa de facilitar a desobturação de um canal radicular. Assim CALLAHAN3 preconizou a utilização do clorofórmio; BUCKLEY2 recomendava a utilização do eucaliptol, SOMMER & OSTRANDER11 e GROSSMAN6 indicavam o xilol como solvente químico.

FILGUEIRAS et al5 preconizaram a utilização de uma mistura de clorofórmio e eucaliptol para a solvência da guta-percha.

As pesquisas realizadas por DELLA NINA et al4, WOURMS at al12 e PÉCORA at al9 evidenciaram que o clorofórmio era o solvente químico que mais rapidamente atuava sobre a guta-percha.

PÉCORA at al10 deram atenção para o fato do óleo de laranja e a turpentina atuarem bem como solvente de guta-percha.

Desde há muito tempo conhece-se o efeito tóxico do agente químico xilol e clorofórmio pois são substâncias narcóticas e carcinógenas (THE MERCK INDEX)8 e que os óleos essenciais do eucalípto e do pinheiro (turpentina) são substâncias antisépticas.

O objetivo do presente estudo é verificar a ação dos óleos essenciais e suas misturas entre sí, como amolecedores de guta-percha, na desobturação dos canais radiculares.

MATERIAL E MÉTODO

Os óleos essenciais utilizados para a realização do trabalho foram: o Eucaliptol (SSWhite), o Óleo de Laranja e a Turpentina.

A partir desses óleos aviaram-se as seguintes soluções na proporção de 1:1; a) Eucaliptol+Óleo de laranja, b) Eucaliptol+Turpentina e c) Óleo de laranja+Turpentina. O clorofórmio foi utilizado como controle.

Obtiveram-se o óleo de laranja de acordo com PÉCORA at al 1992 e a Turpentina através da destilação da resina de pinheiro, da espécie Pinus heliot, no Laboratório de Pesquisa em Endodontia da FORP-USP.

Utilizaram-se 80 dentes humanos unirradiculares extraídos, os quais tiveram seus canais instrumentados com limas tipo K (marca Maillefer), através da técnica Step Back, irrigando-se o canal com Líqüido de Dakin após o uso de cada instrumento. Alcançando-se o diâmetro de 500 micrometros no batente apical, selecionava-se o cone principal de guta-percha (marca Maillefer) e realizava-se a obturação com o auxílio de um cimento endodôntico do tipo Grossman (manufaturado no Laboratório de Pesquisa em Endodontia da FORP-USP), através da técnica de condensação lateral.

Selaram-se as cavidades endodônticas dos dentes com cimento óxido de zinco-eugenol e armazenaram-se os mesmos em uma câmara a 37ºC com umidade relativa de 95 ± 5%, por um período de seis meses.

Decorrido esse tempo, seccionaram-se as coroas dos dentes junto à junção amelo-cementária, confeccionando-se corpos de prova. Para mensurar o amolecimento da guta-percha, utilizou-se de um aparelho designado de Penetrômetro PVBS (figura 1), confeccionado para estudo de amolecimento dos cones de guta-percha (PÉCORA at al 1992).

Colova-se um corpo de prova no Penetrômetro, onde um instrumento endodôntico, do tipo K número 30#, conectado a um micrômetro era posicionado sobre o material obturador do canal radicular. Baixava-se o conjunto micrômetro/lima, deformando-se a mola interna do micrômetro em 200 micrometros. Dessa forma, exercia-se uma pressão correspondente a uma carga de 70 gramas, sobre o material obturador. Gotejavam-se dez microlitros da solução a ser testado sobre a obturação, com o auxilio de uma micropipeta e acionando-se o cronômetro simultaneamente. O tempo decorrido desde o gotejamento da solução até que o micrômetro indicasse que a lima havia penetrado 20 micrometros no material obturador era anotado. Realizavam-se 10 testes para cada solução testada, à uma temperatura ambiente de 25°C.

FIGURA 1

RESULTADOS

Os resultados foram submetidos ao tratamento estatístico, não-paramétrico, teste de Kruskal-Wallis, que apresentou uma diferença estatística ao nível de 1%, sendo o valor (H) de Kruskal-Wallis 58,5988 e o valor de *2 para 3° de liberdade foi 58,60. A comparação das médias dos postos das amostras testadas duas a duas evidenciou uma diferença estatistica não-significante ao nível de 1% (a=0,01) entre: Óleo de laranja e Óleo de laranja+Turpentina, Turpentina e Eucaliptol+Turpentina e entre Óleo de laranja+Turpentina e Clorofórmio. As demais comparações dos postos das amostras mostraram diferença estatisticamente significante ao nível de 1% (a=0,01). O gráfico a seguir ilustra a média dos resultados obtidos nos testes de solvência de guta-percha (figura 2).

FIGURA 2

DISCUSSÃO

Quando existe a necessidade de desobturação de um canal radicular, emprega-se uma substância química, ou uma solução, que atue sobre o material obturador, amolecendo-o para facilitar sua remoção, evitando a ocorrência de perfurações do canal radicular.

Esse agente solvente do material obturador, na maioria das vezes, atua sobre os cones de guta-percha e sua utilização clínica exige certos requisitos como: rapidez na atuação, ser inócuo aos tecidos adjacentes ao dente, ter um odor agradável e não ser tóxico ao profissional, ao paciente e ao meio ambiente (WOURMS et al12).

O Clorofórmio é o mais rápido solvente de guta-percha (DELLA NINA et al4, WOURMS et al12 e PÉCORA et al10). Segundo o The Merck Index8, tanto o clorofórmio como o xilol são agentes depressores do sistema cardiovascular, neurotóxicos, considerados carcinogênicos, tendo sido banidos pela FDA, sendo ainda agressores ambientais. Tais efeitos deletérios torna questionável a utilização clínica rotineira de ambas as substâncias. Dessa forma, vários óleos essenciais foram propostos, como o Eucaliptol, a Turpentina proposta por KAPLOWITZ7 e o Óleo de laranja proposto por PÉCORA et al9.

O principal componente do Eucaliptol é o óleo de eucalípto, utilizado na indústria farmacêutica para fragrância e estimulante do apetite (sabor refrescante). A Turpentina é utilizada como expectorante, anti-séptico, rubefaciente e antiflatulento, apresentando um odor bastante agradável. O óleo de laranja é solúvel em álcool, sendo utilizado também como expectorante, apresentando odor agradável.

Os resultados e os testes estatísticos possibilitaram ordenar os solventes de guta-percha, do mais eficiente para o menos eficiente: 1° Clorofórmio e a associação Óleo de laranja+Turpentina, 2° Óleo de laranja e a associação Óleo de laranja+Turpentina, 3° Óleo de laranja+Eucaliptol, 4° Turpentina e a associação Turpentina+Eucaliptol e 5° Eucaliptol.

Sabendo-se da toxicidade dos solventes orgânicos xilol e clorofórmio, e da eficácia dos óleos essenciais no amolecimento da guta-percha, cogita-se a utilização clínica rotineira de misturas destes óleos, como auxiliares na desobturação de um canal radicular.

CONCLUSÕES

Com base na metodologia empregada e nos resultados obtidos, é lícito concluir que:

1)- É possível substituir os solventes tóxicos de guta-percha por óleos essenciais.

2)- A associação do Óleo de laranja+Turpentina, na proporção de 1:1, possibilitou solvência estatisticamente semelhante à do Clorofórmio.

3)- O Eucaliptol apresenta-se muito lento em dissolver a guta-percha.

4)- A associação do Eucaliptol ao Óleo de laranja ou à Turpentina, favorece a redução do tempo de solvência da guta-percha.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1-BOWMAN 1833 apud GROSSMAN L.I. Tratamento dos canais radiculares Rio de Janeiro, Atheneu, 1954.

2-BUCKLEY, J.P. Is it necessary to used secret formula preparations in the practive of Dentistry? D. Cosmos, 52(3):429-35, march, 1910.

3-CALLAHAN, J.R. Sulfuric acid for openning root-canals. D. Cosmos 26(12):957-59, Dec. 1894.

4-DELLA NINA, S.; ETHER, S.; OLIVEIRA, E. Avaliação das propriedades dos solventes de guta-percha. Quintessencia 7(9):27-32, 1980.

5-FILGUEIRAS, J.; BEVILACQUA,S.; MELO, C. Endodontia clínica, Rio de Janeiro, Científica, 1962.

6-GROSSMAN, L.I. Endodontia practice. 7 ed. Philadelphia, Lea & Febiger, 1978.

7-KAPLOWITZ, G.J. Evaluation of the ability of essential oils to dissolve gutta-percha. J. Endod., 17(9):448-9, sept, 1991.

8-THE MERCK INDEX An encyclopedia of chemicals, drugs, and biologicals. 10 ed. Rahway Merck & Co., Inc., 1983. 1980p.

9-PÉCORA, J.D.; COSTA, W.F.; SANTOS FILHO, D.; SARTI, S.J. Apresentação de um óleo essencial obtido do Citrus Aurantium, eficaz na desintegração do cimento de óxido de zinco-eugenol do interior do canal radicular. Odonto 1(5):130-2, 1992.

10-PÉCORA, J.D.; SPANÓ, J.C.E.; BARBIN, E.L. "In vitro" study on the softening of Gutta-Percha Cones in Endodontic Retreatment. Braz. Dent. J., 4(1):43-47, 1993.

11-SOMMER, R.F.; OSTRANDER, D. Clinical endodontics. Philadelphia, W. B. Saunders, 1956.

12-WOURMS, D.J.; CAMPBELL, A.D.; HICKS, M.L.; PELLEU Jr, G.B. Alternative solvents to chloroform for gutta-percha removal. J. Endod. 16(5):224-6, may, 1990.

OBRIGADO PELA VISITA

Department Webmaster: Júlio César Spanó & J. D. Pécora
Copyright 1997 Department of Restorative Dentistry
Esta página foi elaborada com apoio do Programa Incentivo à Produção de Material Didático do SIAE - Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação da USP
Update 16 de julho de 1997